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QUEDA
DE CESNA - Sobrevivente narra drama de acidente
Ainda
bastante emocionado, depois de oito dias da queda do avião monomotor
Cesna 206 prefixo KBA, na região do Catrimani, na terra indígena
yanomami, o único sobrevivente da tragédia, o auxiliar de epidemiologia
Marcos Xavier Cardoso, falou com a imprensa ontem pela manhã e relatou
todos os momentos vividos por ele, desde a queda até o momento do resgate.
Marcos Xavier Cardoso
usou um machado e um terçado para abrir uma clareira
Marcos
contou que o avião decolou da Missão Catrimani, no sábado,
31, por volta de 12h45, com destino à região do Baixo Catrimani,
onde seria feita a troca da equipe de trabalho. Além dele, estavam o
piloto Paulo Lopes e o técnico de enfermagem Darciel Santos Carvalho.
Depois de 10 a 12 minutos de vôo, o piloto avisou que a hélice
da aeronave não estava funcionando bem e que eles se preparassem para
cair.
“Não
levamos a sério o piloto e falamos para ele parar com a brincadeira.
Mas ele voltou a repetir o que disse antes e abriu a porta da aeronave, orientando
para que jogássemos parte da carga fora, aliviando o peso, para um pouso
de emergência na mata, pois não tínhamos outra alternativa”,
relatou Marcos.
Ele
disse que a hélice parou de funcionar de vez e o piloto inclinou o avião
para o lado direito e caíram. Um fato incrível durante a queda,
segundo o sobrevivente, foi o avião não ter batido em nenhuma
árvore grande, o que teria feito ele explodir imediatamente. “Batemos
apenas em pequenas árvores. Depois que chegamos ao chão o avião
saiu deslizando na mata, deixando um rastro por baixo das árvores maiores”,
disse.
DESESPERO
– Marcos relatou que, quando o avião chegou ao chão, ele
saiu correndo e acreditava que Darciel já tivesse saído, pois
ele estava próximo à porta, mas não foi o que aconteceu.
Só depois de alguns segundos Marcos ouviu Darciel lhe chamar e viu que
ele estava bastante queimado. O piloto morreu na hora da queda.
“Na
primeira explosão, eu ainda estava no avião e foi quando saí
correndo. Depois foram mais duas explosões, sendo que a última
destruiu completamente a aeronave. Neste momento eu já estava com o Darciel
e nos afastamos dos destroços, nos instalando próximo a um igarapé”,
explicou.
Marcos
afirmou que Darciel foi um herói e resistiu bravamente do sábado
(dia da queda) até segunda-feira, 02, por volta de 7h30. Ele disse que
neste intervalo ficou ao lado Darciel o tempo todo, dando a assistência
possível diante da situação.
“Eu
dava água para ele e me esforçava para transmitir segurança.
Ele reclamava que as queimaduras na costa, nos braços e no rosto estavam
doendo muito e eu tive a idéia de pegar argila bem fina do igarapé,
fazer uma pasta e passar nos ferimentos. Com isso, ele disse que as dores aliviaram
mais. Ele estava esperançoso de sobreviver. Dizia para mim que um avião
ia nos localizar e nos levar de volta para a cidade. Que ele iria para o hospital,
seria medicado e ficaria bem”, relembrou Marcos.
SOBREVIVÊNCIA
– O auxiliar de epidemiologia disse que sua sobrevivência só
tem uma explicação: obra de Deus. Para ele, só Deus para
lhe dar forças para suportar tudo o que aconteceu. Ter resistência
de ver um amigo morrer e, mesmo assim, acreditar que ainda poderia sair do local
com vida.
“Quando
Darciel morreu, eu me senti só, pois era a única pessoa que tinha
para conversar e para ocupar o meu tempo, pois ficava ajudando ele em tudo.
Depois que ele morreu eu me apeguei mais ainda com Deus, pedindo para sair daquela
situação. E em momento algum me desesperei, nem perdi a confiança
que Deus poderia me tirar daquele lugar”, afirmou Marcos.
Para
sobreviver, ele contou que se alimentou de uma fruta amarela da região
chamada patuá, bastante doce, o que fez manter uma boa taxa de glicose,
lhe dando forças para abrir uma clareira com dois facões e um
machado que conseguiu encontrar nos destroços do avião.
RESGATE
– A aeronave foi localizada quatro dias após a queda,
na quarta-feira, por uma equipe do Salvamento Aéreo da Aeronáutica
sediado em Manaus (AM). O local estava fora da rota da aeronave, entre as serras
Mocidade e Pacu, na floresta próxima à Missão Catrimani.
As aeronaves que faziam busca já tinha passado pelo local no domingo,
mas as chuvas e o nevoeiro impediram a visibilidade.
Marcos
contou que com o facão e o machado que estavam no avião conseguiu
abrir uma clareira e levou um pedaço da asa do avião para o local,
pois era branca e refletia os raios do sol, servindo como sinalizador para as
equipes de busca. “Só assim conseguiram me localizar, pois a mata
era muito fechada e o tempo não estava ajudando”, complementou.
FUTURO
– Depois dessa tragédia Marcos afirmou que não pretende
mais trabalhar com os yanomami e não quer mais saber de voar. Segundo
ele, este foi o segundo acidente aéreo que sofreu e não quer passar
pelo terceiro.
“O
primeiro acidente foi um pouso forçado em 2005, no Município de
Alto Alegre, quando também estava trabalhando. Mas agora basta. Para
mim, já foi o suficiente, não quero mais saber de voar e acredito
que foi um aviso. Resistir a duas quedas de avião é muito para
uma pessoa e não quero mais passar por isso”, afirmou.
O
auxiliar de epidemiologia disse que quer cuidar mais de si, da família
e em especial de sua filha de 10 anos que depende muito de dele. “O tempo
que trabalhei fui totalmente dedicado à minha profissão, aos yanomami,
mas agora preciso pensar em mim e chegou a hora de parar. Tudo tem um limite.
E minha hora de parar é essa. Agora é vida nova, vou procurar
outra coisa para fazer e não quero mais voltar a voar”, afirmou
Marcos.