Povos afirmam que foram enganados pelos pesquisadores, que prometeram fornecer
remédios, mas nunca o fizeram. Empresa dos EUA afirma que índios
querem dinheiro, mas que ela nunca obteve lucros com comercialização
de suas amostras de sangue.
Lalo
de Almeida/ "The New York Times"
Índios
karitiana na reserva de Kyowa, cujo DNA é comercializado
por uma empresa americana
LARRY
ROHTER
DO "NEW YORK TIMES", EM JACI-PARANÁ
Os índios
karitiana dizem que os primeiros pesquisadores a obter amostras de seu sangue
chegaram à região no fim dos anos 70. Em 1996, uma nova equipe
os visitou, prometendo remédios caso eles doassem mais sangue, e por
isso eles voltaram a permitir a coleta.
Tais promessas
jamais foram cumpridas. Agora eles estão enfurecidos porque o sangue
e o DNA deles estão sendo vendidos por uma empresa dos EUA a cientistas
por US$ 85 a amostra. Os índios querem que as vendas sejam suspensas
e exigem uma indenização pela violação de sua
integridade.
"Fomos
enganados, iludidos e explorados", diz Renato Karitiana. A reserva abriga
313 karitiana, que vivem da agricultura, caça e pesca: "Aqueles
contatos nos prejudicaram muito e nos fizeram adotar atitude negativa quanto
à medicina e à ciência".
Os surui e os
ianomâmi se queixam de experiências semelhantes e dizem que também
estão tentando impedir a distribuição de seu sangue e
DNA pela empresa norte-americana, a Coriell Cell Repositories, de Camden,
Nova Jersey.
A Coriell armazena
material genético humano e o fornece para pesquisas. A organização
informa que as amostras foram obtidas legalmente, de um pesquisador, e que
foram aprovadas pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos.
Joseph Mintzer,
vice-presidente do Instituto Coriell de Pesquisa Médica, disse que
"não estamos tentando lucrar com, ou roubar, dos brasileiros.
Temos a obrigação
de respeitar sua civilização, cultura e cidadãos, e é
por isso que controlamos cuidadosamente a distribuição dessas
linhas celulares".
O Coriell diz
que oferece espécimes só a cientistas que concordam em não
comercializar os resultados das pesquisas ou transferir materiais a terceiros.
Os povos da
Amazônia são ideais para certas pesquisas genéticas porque
vivem isolados e formam populações fechadas, permitindo que
os estudiosos reconstruam históricos evolutivos mais completos.
A prática
de recolher amostras de sangue de indígenas, porém, causa suspeitas
entre os brasileiros, que zelam quanto ao que chamam de "biopirataria"
desde que sementes de seringueira foram exportadas da Amazônia para
a Ásia há quase um século. O crescente prestígio
do mapeamento genético só agravou esses temores.
Debora Diniz,
antropóloga brasileira, diz que experiência dos karitiana mostra
"como os cientistas estão despreparados para diálogos interculturais,
e como a ciência se comporta de maneira autoritária diante de
populações vulneráveis". O cerne do debate internacional
que emergiu aqui se relaciona ao conceito de "consentimento informado".
Os cientistas argumentam que todos os protocolos foram respeitados, mas os
indígenas alegam terem sido enganados ao permitir que seu sangue fosse
coletado.
"Não queremos fazer algo que cause ira a toda uma tribo.
Por outro lado,
a comunidade científica está usando essas amostras, que foram
obtidas sob procedimentos perfeitamente legítimos, em benefício
da humanidade", disse Judith Greenberg, do Instituto Nacional de Saúde
dos EUA.
Francis Black,
o primeiro pesquisador a obter amostras na região, morreu recentemente,
de modo que é impossível ouvir seu lado. Mas funcionários
da Funai dizem que sua presença na reserva violou procedimentos para
proteger indígenas contra pessoas de fora.
"Nós
jamais teríamos autorizado algo assim", disse Osmar Ribeiro Brasil.
"Não existem registros de qualquer solicitação de
autorização, aqui ou em nossa sede, em Brasília".
No caso da expedição
de 1996, foi obtida permissão para ingressar na reserva, mas apenas
para a filmagem de um documentário sobre a natureza. Quando a equipe
entrou na reserva, porém, um médico brasileiro, Hilton Pereira
da Silva, e sua mulher começaram a conduzir pesquisas médicas
sem autorização, disse a Funai.
"Se alguém
adoecer, enviaremos remédios, muitos remédios", é
o que lembra Joaquina Karitiana, 56, sobre a visita.
"Eles tiraram sangue de quase todo mundo, incluindo as crianças.
Mas, assim que conseguiram o que queriam, não nos mandaram remédio
algum".
Em comunicado,
Pereira da Silva diz que explicou os propósitos de sua pesquisa "em
linguagem acessível" e que prometeu que "quaisquer possíveis
benefícios que resultem do trabalho com o material recolhido reverterão
integralmente às pessoas que o doaram".
Como resultado
de pressão judicial da Funai, as instituições brasileiras
que recolheram amostras as restituíram às tribos. Mas entidades
internacionais vêm resistindo a isso, dizendo que agiram corretamente
e que não há lucros a compartilhar. "Eles querem dinheiro,
e não ganhamos dinheiro nenhum", disse Mintzer.
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Tradução
de PAULO MIGLIACCI
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DIREITO
DE RESPOSTA
Em relação
ao publicado em http://www.proyanomami.org.br/v0904/index.asp?pag=noticia&id=4433
, especificamente sobre o caso de venda de sangue Karitiana, é oportuna
a leitura do "PAINEL DO LEITOR" e do "ERRAMOS", em reconhecimento
das falhas da matéria, de 18/08/2007 na FOLHA DE SÃO PAULO (abaixo).
Atenciosamente,
Anna Cruz de
Araújo P. Silva
"Em 21 de
junho, a Folha reproduziu a reportagem "Índios da Amazônia
recorrem contra a venda de seu DNA" (Brasil), de Larry Rohter, correspondente
do "New York Times", na qual sou acusado de envolvimento com o caso
da venda de sangue karitiana. Muitos são os erros cometidos por Rohter
e reproduzidos por este jornal.
1) A notícia
é antiga, e a própria Folha, em junho de 1997, concedeu-me direito
de resposta para esclarecer confusões da imprensa à época
que agora renascem.
2) Em 1996, na
condição de antropólogo, acompanhei cinegrafistas britânicos
que filmavam um documentário entre os karitiana. Entretanto, sendo
também médico, vi-me diante de uma situação de
emergência, em razão do precário estado de saúde
dos índios, e prestei-lhes -de modo voluntário e gratuito, e
por solicitação deles- atendimento médico. Minha conduta
respaldava-se no artigo 135 do Código Penal, que pune omissão
de socorro, e nas recomendações dos artigos 57 e 58 do Código
de Ética Médica, ao qual me subordino. A regularidade de minha
atuação foi reconhecida por duas CPIs e pelo juiz federal que
analisou o caso -todos estes ignorados na reportagem de Rohter.
3) O sangue por
mim coletado -em procedimento médico corriqueiro e necessário
para diagnóstico complementar de doenças como anemias, hepatites,
doenças do colágeno, HIV etc.- esteve depositado no laboratório
da Universidade Federal do Pará, centro de reconhecida competência,
desde 1996 até ser requisitado pelas autoridades de Rondônia.
Ele não saiu do Brasil e tampouco se prestou a fins comerciais.
4) Não
fui procurado nem ouvido pelo senhor Rohter, apesar de meus contatos (e-mail,
telefones etc.) estarem disponíveis em milhares de sites na internet
e em publicações nas quais tento esclarecer esses equívocos.
5) Há,
por fim, um erro grave na tradução da Folha. No original de
Rohter, no segundo parágrafo, lê-se "their blood and DNA
collected during that first visit are being sold". A Folha omite, na
tradução, que a coleta que resultou em venda foi a primeira,
conduzida por pesquisadores norte-americanos, anterior à minha visita
em pelo menos dez anos."
HILTON PEREIRA
DA SILVA (Belém, PA)
Nota da Redação:
"Por erro de edição, foi omitido da reportagem que o material
vendido pela empresa dos EUA foi coletado pelo primeiro grupo de pesquisadores"