Houve uma indignação muito grande da matéria publicada
na revista Época desta semana que dedica doze páginas sobre Roraima. O telefone
não parou desde anteontem em protesto pelo que leram. Por isso senti-me na obrigação
de escrever sobre o assunto.
Os leitores repudiaram como o Estado foi desenhado
na matéria: índios que matam suas mulheres e que estão pronto para a guerra,
migrantes que encontram o paraíso, um monte de paranóicos que enxergam a internacionalização
a todo momento e um bando de gente que vai para praça fornicar ao som da música
da Pipoquinha.
O texto já começa na mesa de um bar falando sobre
alguém que olha para o céu chafurdando a Via Láctea em busca de satélites espiões
americanos, que querem internacionalizar as riquezas minerais e as belezas naturais
de Roraima. Como se o Brasil já não tivesse sido internacionalizado sob a bandeira
do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Inebriada com os olhares de forasteiros, a jornalista
Eliane Brum trata de registrar a brincadeira de algum espertalhão para começar
a matéria. Como se todos aqui fossem trouxas a ficar olhando o céu estrelado
em busca de satélites espiões.
Sinceramente não sei com quem essa jornalista da revista
Época se envolveu nos dias que passou aqui. Com certeza foi ao lado de pessoas
que não cansam de repetir que aqui não é Brasil e que o berço de Macunaima,
o herói sem caráter, continua terra de ninguém.
As pessoas descompromissadas com esta terra repetem,
de verdade, que aqui não é Brasil. E elas, graças a Deus, são cada vez em número
bem menor. São uns e outros que vêm para cá ganhar o dinheiro fácil do governo
sem trabalhar (pouparam os governos corruptos locais) e se atiram em férias
nos seus Estados a qualquer feriado prolongado.
Conseguiram dizer que nossa população vai para a Praça
das Águas se esfregar e fornicar ao som das músicas de letras impublicáveis
da Pipoquinha, como se lá no Sul maravilha eles não tivessem as músicas pornográficas
das popozudas, das potrancas e das cachorras que estão sempre no cio.
Talvez os dois jornalistas tenham ido lá na praça
com a única intenção de arranchar um meio de "erotizar" sua matéria,
para apelar ao sensacionalismo de uma dupla etnocêntrica que avalia um retalho
da realidade local com os olhos do inusitado, do preconceito ou de não-sei-lá-o-quê.
Pior: desenharam a imagem dos Yanomami como se eles
fossem humanóides que caceteiam suas mulheres; como se lá no Sul e no Sudeste
eles não tivessem os maníacos do parque à espreita, supostamente seres humanos.
A matéria tem sim algum fundo de verdade a respeito
da disputa pela demarcação das terras, mas caiu outra vez na apelação de que
por aqui há uma Afeganistão por causa da questão indígena. Ao ler a matéria,
fiquei até com medo de uma bomba de George W. Bush cair sobre minha cabeça a
qualquer momento.
Tentando apelar para um romance barato, a dupla de
jornalista coloca com todas as letras que os migrantes banguelas que por aqui
aportam vão encontrar a terra prometida. Bastam chegar aqui e vão ganhar logo-logo
uma casa do governo e receber um cargo comissionado. E pronto.
Como um bom roraimense, descendente de Macuxi e Wapixana,
também não deixei de me indignar com esse retalho que a matéria da Época fez
de nós, repetindo jargões de pessoas que nunca tiveram compromisso com esta
terra.