Antropólogos
Americanos Voltam a Debater a Controvérsia sobre o livro Darkness in El Dorado
A reunião anual da Associação
Americana de Antropologia (AAA), que reúne por volta de cinco mil antropólogos
e este ano aconteceu em Washington entre os dias 28 de novembro e 2 de dezembro,
voltou a ter discussões sobre os danos causados ao povo Yanomami por pesquisadores
americanos, especialmente o antropólogo Napoleon Chagnon e o geneticista James
Neel. Dois momentos principais foram marcados por debates sobre o assunto. Um
foi a sessão em que a comissão El Dorado, criada pela associação para apurar
as acusações feitas por Patrick Tierney no livro Darkness in El Dorado, apresentaram seu
relatório preliminar. O documento, que havia sido colocado dias antes no website
da AAA, recebeu severas críticas de diversos antropólogos presentes por não
lidar em vários pontos importantes, como o impacto negativo que as teorias de
Chagnon têm tido aos Yanomami, e por não responder diretamente a sérias questões
éticas como, por exemplo, a falta de consentimento informado para a coleta de
amostras de sangue entre os Yanomami. Um dos mais veementes antropólogos a questionar
o documento foi Marshall Sahlins que defendeu a retirada do relatório do website
da AAA – moção que havia sido aprovada anteriormente por unanimidade pela Sociedade
de Antropologia da América Latina.
Após as discussões sobre
o relatório, três moções foram aprovadas referentes ao assunto: 1. Que a AAA
deve escrever uma carta de desculpas a ABA-Associação Brasileira de Antropologia
por não ter publicado em seu jornal as respostas de membros da ABA (Bruce Albert
e Alcida Ramos) a acusações feitas por Chagnon em 1989; 2. Que a comissão El
Dorado deve tornar público todo o material coletado e usado na produção de seu
relatório, tão logo o mesmo seja completado; 3. E que a AAA deve incentivar
os programas de antropologia a terem cursos em ética profissional antes dos
alunos fazerem pesquisa de campo. Havia uma quarta moção determinando que a
associação americana enviasse uma carta ao governo brasileiro reiterando a importância
e o apoio da AAA à demarcação da Terra Yanomami. Entretanto, tal moção foi retirada
a pedido de Rubem Oliven, presidente da ABA, que achou a resolução inoportuna.
Mensagem
de Davi Kopenawa sobre Amostras de Sangue Yanomami Chega a Reunião de Antropólogos
Americanos
O segundo, e talvez mais
importante, momento de discussão sobre as conseqüências para os Yanomami da controvérsia sobre Chagnon
aconteceu na sessão organizada por Robert Borofsky, professor da universidade
Hawai'i Pacific, sobre o papel dos antropólogos
em assuntos de interesse público. Davi Kopenawa foi convidado a participar desta
sessão que incluia, entre outros palestrantes de renome, Ralph Nader, candidato
pelo Partido Verde a presidência no ano passado. Davi resolveu não ir devido
ao estado atual de tensão nos Estados Unidos e eu fui convidada a substituí-lo
no debate. Um dia antes da sessão eu gravei uma mensagem de Davi para ser transmitida
aos participantes. Davi explicou as razões de sua ausência e reafirmou sua intenção
de fazer parte em reuniões futura sobre as alegações contidas no livro de Tierney
e os danos causados aos Yanomami. A mensagem essencialmente dizia: "eu
queria ir outra vez para falar sobre esse livro e para conversar sobre o sangue
dos meus parentes que foi trazido para lá e que hoje estão guardando na geladeira.
Eu queria saber o que é que eles querem fazer com esse sangue, para que eles
guardaram. Mas eu não quero ir só falar, eu quero decidir alguma coisa, quero
que eles devolver o sangue para mim para eu levar para o Brasil e derramar o
sangue no rio para o espírito do xapori ficar alegre". Complementando as
palavras de Davi, eu falei das expedições de Neel e Chagnon para coletar amostras
de sangue, repassei o que alguns líderes Yanomami me disseram em entrevistas
feitas em maio passado sobre as informações distorcidas que envolveram a extração
do sangue e ressaltei alguns dos problemas éticos contidos nas ações do Chagnon
e Neel. A maioria do público não tinha ouvido falar das amostras de sangue e
muito menos que isso é um dos assuntos mais importantes para os Yanomami nesta
controvérsia.
Nancy Scheper-Hughes decidiu
deixar de lado o tema de sua palestra e resolveu reforçar a discussão sobre
a questão ética da ausência do consentimento informado dos doadores Yanomami
para as pesquisas que foram e estão sendo feitas com o sangue deles. Ela também
condenou o fato de que a associação americana e a comissão El Dorado ainda não
tomaram nenhuma posição neste assunto. Scheper-Hughes sugeriu aos participantes
que fizessem um abaixo-assinado pedindo a devolução imediata aos Yanomami das
amostras de sangue, que hoje estão armazenadas na universidade da Pennsilvania.
O público demonstrou interesse em receber mais informações e apoiar os Yanomami
no caso do sangue coletado. O abaixo-assinado
foi entregue ao coordenador da sessão Robert Borofsky.
Na semana passada, a associação
de antropologia retirou do website o relatório preliminar sobre
as acusações contra Chagnon e outros pesquisadores.