Durante o ano de 1992,
realizou-se um estudo epidemiológico sobre um surto de tuberculose que então
alastrava na Reserva Yanomami no Brasil. O projecto nasceu de uma colaboração
entre o Laboratório de Micobacterioses do INPA em Manaus, chefiado pela Dra.
Júlia Salem, e o Laboratoire des Mycobcatéries
do Instituto Pasteur em Paris, chefiado pelo Dr. Hugo David, onde eu na altura
trabalhava.
Tive o prazer e a honra
de ter sido convidada pelo INPA a levar a cabo esse estudo na Reserva Yanomami,
Sector do Marauia (Norte de Santa Isabel), onde foram recolhidas cerca de 600
amostras de soro em cinco aldeias da região. Os resultados deste trabalho foram
publicados na revista científica PNAS: A.O. Sousa, J.I. Salem, F.K. Lee, M.C.
Verçosa, P. Cruaud, B.R. Bloom, P.H. Lagrange, H.L. David "A new epidemic of tuberculosis with a high rate of tuberculin energy
among a population previously unexposed to tuberculosis, the Yanomami Indians
of the Brazilian Amazon" in Proc of Nat Acad Sci USA, 94:13227-13232
(1997). As conclusões do estudo mostram a existência de uma epidemia de tuberculose
muito grave, com uma prevalência de 6,4%, resposta muito reduzida à intradermo-reacção
com PPD-RT23, e títulos de anticorpos específicos de M.
tuberculosis muito elevados.
O tratamento adequado da
populacão foi imediatamente providenciado pela FUNAI juntamente com as equipas
de saúde locais e a ajuda de um enfermeiro voluntário residente na Reserva.
Este estudo serviu igualmente para alertar as autoridades sobre a gravidade
da epidemia de tuberculose na região. Uma proposta de continuação do trabalho
de saúde pública na região, e para melhor compreender este fenómeno biológico
aparentemente singular, foi apresentada à OMS em Genebra. A iniciativa foi,
no entanto, rapidamente abortada devido aos dramáticos acontecimentos locais
e como consequência da interdição de qualquer permanência na zona a equipas
de saúde.
Uma equipa da Universidade
de Emory em Atlanta (USA) realizou recentemente um estudo sobre a presença de
Helicobacter pylori (Hp) entre populações
indígenas da Amazonia. Em 1993 e 1994, investigadores desta equipa tinham colaborado
no estudo sobre tuberculose, e parte dos soros recolhidos entre os Yanomami
que não tinham sido totalmente utilizados na primeira investigação foram na
altura armazenados no frio neste laboratório.
Há cerca de um ano, fui
contactada pela equipa de Atlanta para saber se poria alguma objecção em que
o restante dos soros fosse utilizado no estudo sobre Helicobacter pylori então em curso. Foram utilizados neste estudo
soros recolhidos em cerca de 22 aldeias de Indios (brasileiros e venezuelanos),
incluindo 5 aldeias Yanomami. Os resultados mostram que cerca de 92% da população
é seroprevalente. Este trabalho foi submetido para publicação por Lisa-Gaye
E. Robinson et al. à revista científica
Journal of Infectious Diseases sob
o título "Helicobacter pylori
and Indigenous Peoples of the Amazon".
Apesar da seropositividade
ao Hp não significar que a infecção esteja activa, penso ser importante chamar
a atenção das competências locais para este fenómeno. As infecções por H.
pylori podem nalguns casos conduzir a gastrites crónicas, mesmo úlceras
gástricas ou, em casos extremos, a problemas do foro oncológico. A prevalência
encontrada na população não deve, portanto, ser negligenciada. O tratamento
com antibióticos é recomendado nos casos de doença activa, e os resultados do
estudo aqui referido são apenas serológicos, indicando que existe infecção mas
não se esta é activa ou passiva.
Penso ser indicado:
1)Alertar as
equipas de saúde locais para a possibilidade de diagnosticar infecções activas
de Hp em casos de sintomas de gastrites crónicas;
2) Confirmar
o diagnóstico com um teste de ureia ou análises de fezes positivas para Hp;
3) Tratar doentes
com infecção de Hp activa - o tratamento antibiótico de primeira linha possui
uma eficácia de 85-90% e consiste num regime combinado de três drogas (omeprazole,
amoxicilina e claritromicina) durante 10 dias.
Estou evidentemente à vossa
disposição para mais esclarecimentos. Assim que este estudo for publicado mandarei
copias prontamente.
Atenciosamente,
Alexandra de Sousa (*)
(*) MD PhD
The
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