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Notícias CCPY Urgente
Data: 15 - Julho - 2000
Titulo: TRF anula julgamento do Massacre de Haximu. STJ vai examinar o caso no início de agosto
Fonte:
CCPY - Comissão Pró-Yanomami, Boletim 4
Esta
edição do boletim da CCPY é especialmente dedicada ao Massacre de Haximu, ocorrido
em junho de 1993, durante dois ataques quando 16 yanomami foram mortos barbaramente.
Segundo os autos do processo, foram mortos cinco homens, três mulheres, três
moças adolescentes, quatro crianças e um bebê. Dos 22 garimpeiros participantes
da chacina apenas 4 foram condenados no julgamento proferido em Boa Vista (RR),pelo
juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, em 19.12.96. A sentença de primeira instância
impôs aos criminosos penas que variaram entre 20 e 19 anos de reclusão, para
o crime de genocídio, e à 6 meses de detenção, para o crime de danos. Os genocidas
ainda escaparam de ser penalizados pelo crime de ocultação de cadáver, por falta
de provas.
Mas,
por que voltar à esse triste assunto, sete anos depois? Porque o julgamento
de primeira instância foi questionado na Justiça Federal pelos assassinos condenados,
sob o argumento de que quando se trata de crime de morte, este deve ser julgado
por um tribunal de júri, o que, infelizmente, foi aceito pelo Tribunal Regional
Federal-1ª Região, significando a anulação do julgamento feito pelo juiz federal
de Boa Vista. Outra consequência da referida anulação poderá ser a realização
de novo julgamento, por um júri popular em Roraima. Conheça os detalhes desta
situação absurda nesta edição especial.
A
apelação dos garimpeiros assassinos foi aceita pela Terceira Turma do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, mas a procuradoria da República-PR entrou com
recurso especial contra o acórdão do TRF, solicitando que o Superior Tribunal
de Justiça - STJ reconheça a competência do juiz de primeira instância para
apreciar e julgar o caso. “O Ministério Público Federal compreende que, sendo
competente a Justiça Federal, a competência é do juiz singular e não do Tribunal
do Júri popular. Isto porque, no genocídio, o bem jurídico tutelado não é a
vida, mas a etnia”. como está escrito nos autos. Se o STJ confirmar a decisão
do TRF-1ª Região, além do erro jurídico significará a certeza da impunidade,
já que em Boa Vista(RR) os tribunais de júri geralmente são compostos por jurados,
que sempre estão contra os índios e a favor de seus agressores. O recurso especial
será examinado na primeira semana de agosto próximo pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ), 5ª Turma. Existem duas possibilidades para a solução imediata
do caso: ou o STJ restaura a validade do julgamento de primeira instância e,
portanto, simplesmente cassa a decisão do TRF; ou determina um novo julgamento
da apelação dos assassinos ao TRF. Diante desse fato, a CCPY está iniciando
uma CAMPANHA de ação URGENTÍSSIMA pedindo para as pessoas enviarem um
fax para os ministros do STJ, 5ª Turma, EXIGINDO QUE SEJA RESTAURADA A VALIDADE
DO JULGAMENTO DE PRIMEIRA INSTâNCIA.
erá
um grande retrocesso se os assassinos vierem a conseguir a anulação do julgamento
e de suas penas. A Justiça brasileira não pode cometer essa injustiça! Para
que isso não aconteça, a CCPY solicita a todos os interessados na causa indígena
e, em especial, aos amigos dos Yanomami, que enviem mensagens aos gabinetes
dos ministros do STJ, 5ªTurma, os quais examinarão a questão, em Brasília, conforme
abaixo:
· Jorge Tadeo Flaquer Scartezziini – fax (61) 319.7303;
· José Arnaldo da Fonseca – fax (61) 319.6290;
· Gilson Langaro Dipp – o gabinete não quis fornecer o número do fax;
· Edson Carvalho Vidigal – fax (61) 319.7209
· Félix Fischer – (61) 319.7278
· Assessoria de imprensa do STJ – (61) 319.6393 / 6538
MODELO DE MENSAGEM A SER ENVIADO:
....._____________, ____ de ___________ de 2.0000
Aos
Excelentíssimos
Senhores
Ministros da 5ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça – STJ
Prezados
Ministros
Preocupados com
o precedente que o caso do genocídio do Índios Yanomami pode consolidar em matéria de defesa dos direitos humanos,
no plano nacional e internacional, pedimos a Vossas Excelências que dediquem
a atenção e a cautela necessárias para com este caso, também conhecido como
o “Massacre do Haximu”, ocorrido em 1993.
Neste sentido,
manifestamos nosso enfático apoio para que seja restaurada, em sua totalidade,
a sentença de 1º instância de lavra do MM Juiz Federal Itagiba Catta Preta Neto,
proferida em dezembro de 1996, com a conseqüente e necessária cassação da decisão
do TRF da 1ª Região que surpreendentemente
acatou apelação dos garimpeiros assassinos.
Contamos com
a sensibilidade e senso de justiça social de Vossas Excelências.
Atenciosamente,
Genocídio – No começo, boatos e mentiras
No início de agosto de 93, iniciaram-se os boatos sobre o massacre. A data exata do crime não foi definida
devido a distância e a dificuldade de acesso entre a região do Haximu e o posto
da CCPY mais próximo, o Toototobi. A primeira notícia concreta foi um bilhete
de uma freira da região do Xitei (pronuncia-se “xidéia”), que chegou ao posto
do Demini, datado de 17.08.93. Nele, a Irmã Aléssia dizia que o tuxawa Antônio
falara sobre a morte de sete crianças, cinco mulheres e dois homens, e da destruição
da maloca. Entre as várias observações de Antônio, a freira citava que a maloca
destruída era de pouco contato com os “brancos”. Do Xitei ao Haximu são dois
dias de caminhada. Irmã Aléssia também solicitava a presença da Funai para investigar
o caso.
No dia 18.08.93, o Massacre de Haximu virou manchete nos jornais. A cobertura
jornalística e a corrida dos profissionais de imprensa à Roraima foi iniciada,
acompanhada de muita confusão. A maioria das matérias e reportagens veiculada
pelos jornais e tv’s estava baseada em fatos e informações sem comprovação e
distorciam o fato ocorrido, principalmente em relação ao número de vítimas.
Nessa ocasião, os locais do crime nem sequer haviam sido submetidos a uma investigação
mais adequada. Funcionários da Funai, pressionados pela mídia e pelo governo,
davam depoimentos irresponsáveis e completamente descabidos de veracidade, a
partir de boatos e comentários. A mídia nacional e estrangeira chegou a divulgar
que o total de mortos teria sido de mais de uma centena de Yanomami.
Davi Kopenawa e vários Yanomami foram ao local do crime de helicóptero,
acompanhados pelo então ministro da Justiça, Maurício Correia, pelo procurador
geral da República, Aristides Junqueira, pelo presidente da Funai na época,
Cláudio Romero, funcionários da Funai e jornalistas. No local encontraram duas
malocas queimadas, restos de fogueira - onde os corpos haviam sido cremados
-, e um corpo de mulher crivado de balas, com a cabeça partida a golpes de facão.
Posteriormente, encontraram o lugar exato da chacina, onde acharam pedaços de
dentes humanos e resquícios de ossos e cinzas. Os vestígios indicavam que os
sobreviventes saíram apressadamente daquele
local.
Em 25.08.93, a CCPY noticiou que 69 sobreviventes haviam chegado ao posto
de atendimento no Toototobi, entre eles quatro feridos com marcas de chumbo,
sendo duas meninas (de sete e seis anos)
e dois homens (de vinte e dezoito anos).
O relato dos
sobreviventes
Os sobreviventes relataram que os garimpeiros atacaram os índios pela primeira
vez, em meados de junho, quando quatro homens adultos foram mortos à bala. Algum
tempo depois, disseram que vingaram-se, matando dois garimpeiros. Por volta
dos dias 22 e 23 de julho, perto do meio-dia, os garimpeiros cercaram os três
lados de uma maloca indígena próxima a uma roça abandonada, onde um grupo de
Yanomami ali acampado havia saído para buscar pupunha na parte baixa do rio
Hwaximou.
O grupo foi surpreendido pelos garimpeiros armados de facão, espingardas
e revólveres. Só havia um homem adulto no grupo constituído por crianças e mulheres.
Os adultos foram mortos a tiros e mutilados com facão. As crianças foram mortas
a golpes de facão na cabeça e no peito. Uma mulher idosa foi morta a pontapés.
Os sobreviventes disseram que cremaram 11 corpos, e que o corpo de uma mulher
não foi cremado, por não ter no local um parente que lhe chorasse a morte. É
um hábito Yanomami cremar seus mortos. Os índios citaram os nomes dos garimperios brasileiros conhecidos
pelos seguintes apelidos : Boca Rica, Chico Ceará, Paraná, Piauí, Cantina, João
Neto, Goiano, Gaúcho, Elias, Jabuti, Rocha, Baiano, Manéu, Chaparral, Picão,
Uiuiui, João Cururu, Zeca, Geni, Paulista e Paulo.
De acordo com
o inquérito policial – conduzido pelo delegado da Polícia Federal Raimundo Cotrin,
que serviu de base para a denúncia do Ministério Público - o crime de
genocídio aconteceu em duas etapas : na primeira, quatro homens foram mortos
a tiro, num local dentro da floresta e distante da aldeia, sendo que um corpo
não foi encontrado; na segunda, algumas semanas depois, doze pessoas foram mortas
a tiros e mutiladas com facão – sendo um homem adulto, duas idosas, uma mulher,
três adolescentes, quatro crianças e um bebê. Este segundo grupo já estava fora
da aldeia, nos tapiris, o que indicava que estava escondido dentro da mata,
temendo novo ataque dos garimpeiros, depois das primeiras quatro mortes.
Etapas e datas
do inquérito, julgamento e recursos
- conclusão do inquérito policial ocorreu em 10.10.93;
- julgamento de 1ª instância em Boa Vista (RR), em 19.12.96;
- acórdão do TRF-1ª Região, anulando o julgamento, em 30.06.98;
- recurso especial da Procuradoria da República, em 29.03.98;
- julgamento no caso no STJ – 5ª Turma será em 03/08/00.
Nomes dos juizes e procuradores
responsáveis pelo caso do Massacre de Haximu:
-
Juiz federal de Boa Vista(RR), de primeira
instância: Itagiba Catta Preta Neto;
- Procuradores da República, autores da
denúncia e recursos: Luciano Mariz Maia, Franklin Rodrigues da Costa e Carlos
Frederico Santos;
-
Juízes da Terceira Turma do TRF-1ª Região,
que anularam o julgamento de Boa Vista: Olindo Menezes, Eustáquio Silveira,
Cândido Ribeiro e Antônio Ezequiel;
-
Presidente do TRF-1ª Região: Fernando
da Costa Tourinho Neto;
- Ministros do STJ-5ª Turma, que julgarão
o caso: Jorge Tadeo Flaquer Scartezzini, José Arnaldo da Fonseca, Gilson Langaro
Dipp, Edson de Carvalho Vidigal, Félix Fischer.
Nomes
dos garimpeiros condenados e suas penas :
- Pedro Emiliano Garcia, vulgo “Pedro Prancheta”, à 20 anos
de reclusão, pelo crime de genocídio, e à 6 meses de detenção pelo crime de dano qualificado;
- Eliézio Monteiro Neri, vulgo Eliézer, à 19 anos e 6 meses
de reclusão, pelo crime de genocídio, e à 6 meses de detenção, pelo crime
de dano qualificado;
- Francisco Alves Rodrigues, vulgo “Chico Ceará”, à 19 anos
e 6 meses de reclusão pelo crime de genocídio, e à 6 meses de detenção, pelo crime de dano qualificado;
- João Pereira de Morais, vulgo “João Neto”, à 19 anos e 6
meses de reclusão, pelo crime de genocídio, e à 6 meses de detenção, pelo
crime de dano qualificado.
Depoimentos
de microscopistas e professores yanomami, reunidos em Boa Vista para curso de
Português:
“Boa vista, dia 10 de julho de 2000
Aos Srs. Ministros
do STJ – 5a turma
Nós yanomami
não queremos estes homens não podemos deixar sair.
Nós yanomami
lembramos ainda este homens Genocídio. Por isso nós yanomami mandamos essa carta,
olha, não podemos tirar estes homens melhor deixar preso. Agora nós yanomami
estamos sabendo por isso mandamos carta para vocês.
Nós somos microscopistas
yanomami
Nós somos professores
yanomami
Você recebem
essa nossa carta se estes homens continuarem presos nós yanomami ficaremos contentes
nós agradecemos muito a vocês."
- Joseca yanomami
- microscopísta
- Geraldo yanomami
- microscopísta
- Joãozinho yanomami
- professor
- Kení yanomami
- professor
- Alípío yanomami
– professor
- Turío yanomami
- professor
- Hugo yanomami
- professor
- Dárío yanomami
- professor
- Lourenço yanomami
- professor
- Sanimão yanomami
– professor
Depoimentos:
Claudia
Andujar, co-fundadora e coordenadora da CCPY: “A única explicação de aceitar a apelação dos garimpeiros pela
Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1º Região é de querer legitimar
a contínua invasão, enquanto existir ouro nos leitos do rios da terra Yanomami, e índios no caminho dos invasores.
Não vejo covardia maior da parte do TRF do que acatar a apelação dos garimpeiros e entregar os Yanomami
nas mão dos seus assassinos. Se a anulação do julgamento for confirmada pelo
STJ, o século 21 começará como sendo
um novo século de crimes bárbaros contra os índios”.
Carlo
Zaquini, co-fundador da CCPY: “Na realidade os Yanomami não estão
sabendo do questionamento sobre o julgamento dos condenados pelo Massacre de
Haximu. Eles ficaram muito chocados, na ocasião, com o crime ocorrido e carregarão
esse trauma por muitas gerações. A desconfiança deles em relação aos brancos
é muito grande. Eles achavam que crianças e mulheres seriam poupados pelos brancos.
Fico perplexo e triste hoje, no ano 2000, com a anulação do julgamento, pois
os depoimentos e inquérito foram muito bem fundamentados”.
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Coordenação Editorial:
Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)
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