.

EDUCAÇÃO INTERCULTURAL

 

... Geral | Conflitos | Educação Intercultural | Meio Ambiente | Saúde Yanomami



.

PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTERCULTURAL YANOMAMI

Quando se fala de um projeto de educação para os Yanomami é comum as pessoas reagirem com perguntas do tipo: "para que educação para os Yanomami, eles já não têm seu próprio sistema educativo?", ou "será que isso não irá desaculturá-los?". Na verdade, essa preocupação reflete a importância que muitas pessoas dão à diferença étnica existente no Brasil e, em particular, aos Yanomami por ter sua imagem intimamente associada à de maior grupo indígena do planeta que ainda mantém praticamente intactas suas manifestações culturais tradicionais. Considerados como patrimônio cultural da humanidade, são muitos os esforços de diversos setores da sociedade para que seus direitos sejam respeitados e sua cultura preservada.

Sobre educação (escolar), na maioria das vezes a concebemos como um processo que prepara o indivíduo para a vida, seja ele da cidade ou do campo, mas que não tem a ver diretamente com uma vida dentro de área indígena, numa aldeia. Pelo contrário, historicamente constatamos que a escola para índios até pouco tempo negava a própria cultura indígena e impunha a cultura dos não índios (num primeiro momento a cultura européia e posteriormente a cultura da sociedade nacional), desconsiderando as diferenças étnicas que compõem o Brasil.

Portanto, é legítima a preocupação de algumas pessoas quando ouvem falar de projeto de educação para os Yanomami. Mas devemos considerar que, por um lado, impôs-se às novas gerações Yanomami entrando no próximo século o desafio de defender e preservar sua herança histórica e ecológica, defendendo seu território contra as invasões predatórias da frente regional, que através dos garimpeiros, madeireiros e fazendeiros ameaçam a sua integridade. E de outro lado, devemos considerar também que vários grupos Yanomami têm manifestado seu desejo de interagir com a sociedade envolvente, na perspectiva de melhor controlar os efeitos do contato sobre seu modo de vida, defrontando, portanto, com outro desafio, de ordem cultural: adquirir o manejo da língua nacional mantendo ao mesmo tempo sua própria língua como um modo privilegiado de transmitir suas tradições e pensar os novos parâmetros de sua realidade histórica de minoria étnica num espaço nacional multicultural.

Foi no intuito de apoiar os jovens yanomami a enfrentar esse duplo desafio, de reconstruir sua sustentabilidade sócio-ambiental e cultural depois do contato predatório das décadas de 70 a 90, que a CCPY deu início ao Programa de Educação Intercultural Yanomami, baseado na diferenciação, especificidade, interculturalidade e bilingüismo. Nessa perspectiva, os objetivos do programa são:

    1. Possibilitar a implantação de uma política educacional que valorize a cultura Yanomami e fortaleça a identidade de Povo;
    2. Promover a alfabetização em língua materna garantindo sua presença ao longo de todo o processo escolar, como disciplina em si e como instrumento de ensino em todas as outras disciplinas do currículo escolar;
    3. Formar professores yanomami como educadores e pesquisadores de forma que assegure a apropriação, por parte dos Yanomami, do novo processo intercultural;
    4. Colaborar na elaboração de um currículo diferenciado e específico para as comunidades yanomami;
    5. Colaborar na elaboração de material didático na língua yanomami;
    6. Transmitir conhecimentos que fortaleçam a participação dos Yanomami na sociedade brasileira, como cidadãos, com melhores condições de gerir e defender o seu território, seus interesses e direitos. Tais conhecimentos deverão contribuir para ampliar a sua capacidade de atuação crítica sobre a realidade;
    7. Ensinar o português como segunda língua com o objetivo de viabilizar a participação dos Yanomami nos diversos fóruns de discussão e decisão que dizem respeito aos seus direitos;
    8. Fomentar a reflexão sobre as mudanças que ocorrem na sociedade yanomami desde o contato.

Este programa teve início em meados de 1995 como um projeto piloto na comunidade dos watoriki theri pë (aproximadamente 102). Davi KopenawaYanomami, representante dos Yanomami no Brasil e no mundo, pertence a esta comunidade e foi ele um grande incentivador da CCPY para a concretização desse programa. A UNICEF foi o primeiro parceiro da CCPY nesse projeto.

Vale dizer que o acesso às regiões onde a CCPY atua só é possível por avião, e que os professores da organização ficam em média 8 meses por ano em campo, cumprindo uma programação de 2 por 1, ou seja, para cada 2 meses na área indígena ficam 1 mês fora.

A alfabetização na língua materna foi a primeira atividade do processo escolar, o que exigiu da CCPY procurar profissionais de educação que tivessem conhecimento da língua yanomami ( o que deve-se imaginar, não foi fácil) ou possibilitar o aprendizado da língua yanomami para os novos educadores. A alfabetização, baseada nos princípios do construtivismoe praticada de maneira interdisciplinar, utilizando conteúdos que dizem respeito à educação para saúde, etnogeografia, etnohistória, foi impulsionada pelo surpreendente ânimo e dedicação dos jovens yanomami. Em pouco tempo os Yanomami, vizinhos das regiões do Toototobi (5 aldeias e um total aproximado de 289 pessoas) e do Parawau (8 aldeias e um total aproximado de 314 pessoas), com os quais os watoriki theri pë mantém estreitas relações, passaram a reivindicar escolas em suas aldeias. Para responder a esta demanda, em 1998 a CCPY teve a feliz oportunidade de contar com o apoio dos estudantes secundaristas da Noruega e ampliar seu programa para as regiões do Toototobi e Parawau.

Hoje, no Watoriki, Toototobi e Parawau existem 11 escolas onde participam 172 alunos dos quais 92 são alfabetizados.

Em julho último, mesmo sem financiamento específico, o programa também começou na região do Homoxi (457 pessoas). A intenção de iniciar o programa de educação escolar (conjugado com um projeto agroflorestal) entre os Yanomami da região do Homoxi é resultante, principalmente, da necessidade de apoio à esses Yanomami para que possam melhorar suas condições de vida que foram drasticamente pioradas devido a degradação ambiental, social, econômica e sanitária causada pela presença de intensa atividade garimpeira durante as duas últimas décadas . Neste caso, é importante ressaltar a interligação indissociável entre o projeto agroflorestal e a escola. Esta última cumpre um duplo papel com relação à ecologia: por um lado, transmite conhecimentos novos (como adensamento, manejo sustentável) necessários à nova realidade ambiental do grupo, criada com a sedentarização, o crescimento demográfico e a delimitação territorial; por outro, resgata conhecimentos tradicionais sobre plantas medicinais, etc que tendem a desaparecer. A escola é ferramenta importante para que os Yanomami possam participar efetivamente na elaboração e realização do projeto agroflorestal.


Quando falamos em escola, não se deve pensar em uma sala fechada com mesas e cadeiras onde os alunos cumprem horários rígidos. As escolas yanomami são adaptadas à sua realidade. Participa quem quer e a escola funciona dentro da casa coletiva num local denominado Onima tima yano .
As mulheres, se preferirem, levam consigo seus filhos pequenos. Os horários de aula são combinados diariamente e obedecem à necessidade da comunidade.

Como não existia material didático na língua yanomami, ele teve que ser elaborado pelos professores yanomami em formação em conjunto com os professores da CCPY e os assessores do programa. Já foram produzidos cadernos de alfabetização, matemática (vols. I, II e III), história da criação (mitologia), gramática yanomami (vol. I), entre outros.

Para os professores yanomami em formação são oferecidos cursos intensivos de ensino da língua portuguesa. São realizados 3 cursos por ano, com duração média de 1 mês cada, no Centro de Treinamento da CCPY em Boa Vista. Durante estes cursos são realizadas visitas de imersão cultural a locais como: prefeitura, cadeia pública, lixeira pública, rádios, jornais, escolas, hospitais, etc.

Passados 5 anos desde o início do Programa de Educação Intercultural da CCPY, podemos notar alguns resultados significativos. Um deles, de extrema importância, é que o processo escolar possibilitou o ingresso de alguns jovens yanomami na formação de microscopistas para o combate à malária. Hoje são 6 Yanomami formados em microscopia e mais uma dezena em processo de formação. Outro resultado significativo é a formação de professores yanomami que vem sendo desenvolvida concomitantemente ao processo escolar desde o seu início, e que conta com a participação de aproximadamente 15 jovens yanomami que já estão se responsabilizando pelas atividades de alfabetização em suas comunidades.


............................................................................................................Professor Yanomami

Os Yanomami que atualmente participam na formação de professores são:

Dário Vitório Watoriki theri
Daniel Watoriki theri
Keni Okarasipiu theri
Aripio Kokoiu theri
Sanimao Kokoiu theri
Sidinei Kokoiu theri
Josias Apiahiki theri
Lourenço Piau theri
Arnaldo Piau theri
Ivan Parawau theri
Turiu Parawau theri
Moquinha Parawau theri
Romeu Uxiximapiu theri
Joãozinho Wanapiu theri
Paulo Weyukuwei theri

Os professores da CCPY que integram o programa são:

Clenir Louceiro
Eliane Bastos
Lidia Montanha Castro
Lúdian Bentes da Silva
Luís Fernando Pereira
Marcos Oliveira (coordenador)
Simone de Cássia

Para a elaboração e aplicação deste Programa, outras experiências têm servido de referência, como a formação de quinze anos realizada pela Comissão Pró-Índio do Acre junto aos povos indígenas desta região, a Escola Tapirapé, pioneira na aprovação de um currículo diferenciado e bilíngüe, o Projeto de Formação de Professores Indígenas do Parque do Xingu, realizado pelo Instituto Socioambiental, o Centro de Trabalho Indigenista, junto com vários povos, entre outros. Também se criou um corpo de assessores que têm dado sua preciosa colaboração, onde destacamos a assessoria antropológica contínua dada por Bruce Albert (ISA-IRD), e as pontuais – Marta Azevedo e Mariana K. L. Ferreira (educacional), Bimba (pedagógica), Eduardo Sebastiani (matemática) e Henri Ramirez (lingüística).

Se você quiser mais informações, entre em contato conosco através do endereço:

ccpyeduc@technet.com.br


RCNEI - Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, MEC, 1998.


Na língua yanomami, moradores da Serra dos Ventos. Local também conhecido como Demini.


Emília Ferreiro e Ana Teberosky, A psicogênese da língua escrita, Porto Alegre, Artes Médicas, 1986.



Os estudantes secundaristas da Noruega realizam todo ano, a mais de 3 décadas, uma campanha nacional entitulada "Um Dia de Trabalho" (OD). O dinheiro arrecadado nesta campanha é revertido para projetos de educação em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. O Programa de Educação Intercultural Yanomami da CCPY foi contemplado na campanha de 1997 através do apoio da Rainforest da Noruega (RFN).



O garimpo do Jeremias, como era conhecida a região, foi um dos focos de atividade garimpeira mais intensa na época do boom do garimpo quando estimou-se a presença de mais de 45 mil garimpeiros na Área Yanomami.



Na língua yanomami, local da casa onde se escreve.


Para informações adicionais favor enviar e-mail para o escritório central da CCPY no seguinte endereço:

ccpydf@uol.com.br

... Geral | Conflitos | Educação Intercultural | Meio Ambiente | Saúde Yanomami .