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Yanomami de Paapiú denunciam retorno ostensivo de garimpeiros em suas terras (Roraima)

Garimpeiros chegam doentes ao posto da Funai do Alto Catrimani (Roraima)
Romero Jucá e os Yanomami: amargas lembranças e novas ameaças no Congresso
Nem lei do Abate impede tráfego de aviões clandestinos de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami

Yanomami de Paapiú denunciam retorno ostensivo de garimpeiros em suas terras (Roraima)

Apesar das freqüentes denúncias sobre novas invasões e da recente edição da Lei do Abate, criada para coibir os vôos clandestinos na região Amazônica, a Terra Indígena Yanomami continua sendo o destino de numerosas aeronaves de garimpeiros.

Os reiterados apelos dos Yanomami às autoridades, no sentido de controlar essas invasões, ainda não surtiram qualquer efeito (ver Boletins Pró-Yanomami 34, 43, 45, 46 / not 1 e not 2) Desde dezembro de 2004, as comunidades da região de Paapiú (Roraima) vêem registrando uma contínua e crescente movimentação de garimpeiros em suas terras, inclusive com a reabertura de antigas pistas clandestinas que já estavam cobertas pela mata.

Os Yanomami constataram, assim, que foram reativadas as pistas Raimundinho, a leste do Paapiú, e Moral, a sudoeste. Segundo eles, ambas as pistas funcionam como centros de operação das aeronaves que sustentam a reinvasão. A leste do Paapiú, os garimpeiros já usam novamente máquinas pesadas para suas atividades clandestinas.

Nos meses de março e abril de 2005, os Yanomami de novo presenciaram freqüentes sobrevôos. Os aviões trafegam de manhã bem cedo (por volta das 6h), em horários distintos daqueles que são utilizados pelas equipes da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Com o retorno mais agressivo dos garimpeiros à região, já foram registrados dois casos de malária no Paapiú.

Segundo os Yanomami, atentos à reinvasão de suas terras, os garimpeiros estão se reinstalando a cerca de uma hora das suas aldeias. Essa proximidade vem criando um clima de insegurança na região e as comunidades temem que, a qualquer momento ocorra um ataque dos invasores. A preocupação se sustenta em algumas atitudes de intimidação praticadas pelos garimpeiros.

Assim, no dia 2 de abril, uma aeronave clandestina fez vôos rasantes sobre a Maloca Paapiú, exatamente no momento em que os líderes estavam reunidos para discutir que medidas tomar para coibir esse retorno dos garimpeiros a suas terras. Provocados por aquela ousadia, os Yanomami buscaram suas armas e se prepararam para um eventual confronto, numa demonstração de que não aceitarão pacificamente nova ocupação de suas terras pelos garimpeiros. No fim dos anos oitenta, a maioria das aldeias da região foi praticamente dizimada pelas doenças levadas pelos invasores.


Diante desse retorno ostensivo dos garimpeiros e dessas manobras de intimidação, os Yanomami do Paapiú redigiram uma carta dirigida à Fundação Nacional do Índio e à Polícia Federal, reivindicando novas operações para a retirada dos invasores. No documento, os Yanomami descrevem os danos ambientais que estão sendo causados pelos garimpeiros e a sua apreensão sobre as conseqüências com relação à volta de doenças e mortes que poderão advir dessa nova investida em suas terras.


“Por isso logo vocês se organizem e planejem [uma operação]. Porque antigamente nós já morremos, e porque hoje não queremos morrer novamente, pedimos a vocês da Polícia Federal que venham rápido, porque os garimpeiros talvez nos ataquem, é o que estamos pensando”, diz um trecho da carta. No mesmo documento, eles pedem o apoio de Davi Kopenawa, Presidente da Hutukara Associação Yanomami, com o reforço de quadros da Funai, prevendo que, novamente, os garimpeiros irão disseminar doenças entre a população indígena. “Assim é que estamos pensando e, sendo assim, vocês que governam o Brasil e vocês que hoje estão na direção da Funai, vocês devem ficar atentos e também pensar direito”, afirma a carta. Segue a íntegra da carta:

Maloca Paapiú, 2 de abril de 2005, sábado

Este documento é sobre a entrada de garimpeiros em nossa terra e foi feito depois de nós yanomami nos reunirmos. Primeiro os garimpeiros chegaram à pista Moral, que já estava tomada pela floresta, e limparam e roçaram a pista. Em seguida os garimpeiros seguiram para a pista do Raimundinho e assim se separaram em grupos. Nós yanomami não queremos nenhum bem dos garimpeiros, isso não nos interessa. Por isso logo vocês se organizem e planejem (uma operação). Porque antigamente nós já morremos, e porque hoje não queremos morrer novamente, pedimos a vocês da Polícia Federal que vocês venham rápido, porque os garimpeiros talvez nos ataquem, é o que estamos pensando.

Por isso escrevemos este documento. Venha também nosso parente Davi com o pessoal da Funai, porque vamos novamente adoecer, é o que tememos, por isso logo os chamamos. E que também venha logo nosso parente Davi Kopenawa. Assim é que estamos pensando e, sendo assim, vocês que governam o Brasil e vocês que hoje estão na direção da Funai, vocês devem ficar atentos e pensar direito.

Não faz muito tempo Romero Jucá provocou a morte de alguns de nós, assim consideramos, porque depois de Romero Jucá enviar seus garimpeiros e estragarem nossa floresta, nós nos conscientizamos e percebemos que os garimpeiros querem roubar nossa floresta. Por tudo isso, vocês que comandam a Funai devem ficar muito atentos (espertos), antes vocês faziam operações, e vocês devem vir para aqui novamente.

Os participantes da reunião:
Pedrinho, Paya, Wai-wai, Adriano, Manuel, Juruna, César, Alirio, Alfredo, Kamiraka, Suka, Adão, Nelson, Tarcísio


Sem qualquer resposta à sua carta, datada de 2 de abril de 2005, os Yanomami escreveram outra, no dia 12 de maio, alertando para a proximidade cada vez maior dos garimpeiros na região. Dois dias antes, estes foram vistos na área imediata à Maloca Paapiú, aumentando a apreensão dos Yanomami, que, mais uma vez, reivindicaram urgentemente uma nova operação policial para a retirada dos invasores.

Maloca Paapiú 12 de maio de 2005

Eu escrevi esta carta porque queremos deixar cientes vocês da Funai, por isso escrevemos sobre os garimpeiros. Por isso vocês da Funai fiquem bem atentos: aqui na Maloca Paapiú, no dia 10 de maio viram garimpeiros, os Yanomami viram garimpeiros na floresta, no ano de 2005 os garimpeiros entraram de novo. Nós Yanomami ficamos muito preocupados.

Porque não queremos deixar estragarem nossa floresta. Por isso nós queremos uma nova operação de retirada de garimpeiros.

Assim sendo esta é uma carta sobre a operação: Como vocês que fazem operação vão pensar? Os garimpeiros estão escondidos na nossa floresta.

Quando nós Yanomami virmos garimpeiros nós vamos chamar vocês porque aqui perto da pista outros Yanomami viram garimpeiros. Por isso hoje nós ficamos preocupados e mandamos esta carta para vocês que fazem operação da Funai, nós queremos deixà-los cientes disso.

César Professor Yanomama Maloca Paapiú theri.


Garimpeiros chegam doentes ao posto da Funai do Alto Catrimani (Roraima)

Na região do Catrimani I (Alto Rio Catrimani), a atividade garimpeira também está avançando. Desde o final do ano passado, os Yanomami vêem observando uma movimentação intensa de aeronaves, em horários não habituais, como ocorre na região do Paapiú. Os Yanomami do Alto Catrimani enviaram também à Fundação Nacional do Índio (Funai) vários documentos denunciando o que está ocorrendo, mas, como em outras áreas, nenhuma providência foi tomada para conter o tráfego de aeronaves no espaço aéreo da Terra Indígena.

No último dia 3 de maio, os Yanomami ficaram muito irritados com a chegada de dois garimpeiros, identificados apenas como Joaci e Orlando, ao Posto Indígena Catrimani I em busca de atendimento médico e alimentos. Na conversa com o professor Marinaldo Xamari Yanomami, os invasores disseram que caminharam vários dias até o posto, pois se sentiam doentes e não tinham mais rancho.

Apesar da irritação dos índios, o chefe do Posto da Funai deu alimento e remédios aos invasores. Alegou que não poderia detê-los, apenas apreender equipamentos. Como os dois garimpeiros estavam de mãos vazias, depois de atendidos, deixaram o PI Catrimani I rumo ao Apiaú, onde haviam deixado parte de seu equipamento.


Romero Jucá e os Yanomami: amargas lembranças e novas ameaças no Congresso

Na carta de 2 de abril último, os Yanomami do Paapiú recordam os danos causados pelos garimpeiros em suas terras no fim dos anos oitenta e fazem referência à administração do ex-presidente da Fundação Nacional do Índio, Romero Jucá (maio de 1986 a setembro de 1988), hoje senador pelo PMDB de Roraima e recentemente nomeado ministro da Previdência Social. Os Yanomami acusam Jucá de ter deixado os garimpeiros ocupar suas terras naquela época, o que provocou a morte de muitos dos seus parentes.

Romero Jucá (PMDB-RR) também é o autor do Projeto de Lei 1.610/96 que dispõe sobre a exploração mineral em terras indígenas (ver Boletim Pró-Yanomami 28 / not 1 e not 2). Em abril de 2004, o projeto foi encaminhado pela Mesa Diretora da Câmara às comissões de Minas e Energia (CME), da Amazônia, da Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional (CAINDR), do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e dos Direitos Humanos e Minorias (CDHM), além da Comissão de Constituição e Justiça (CDHM), configurando-se a situação para a constituição de uma Comissão Especial. Essa comissão foi finalmente criada no dia 31 de março de 2005.

Entre as várias ameaças aos direitos indígenas embutidas nesse Projeto de Lei, destaca-se a prioridade dada aos requerimentos protocolados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) antes da promulgação da Constituição, em 1988. O projeto do senador Romero Jucá desconsidera, assim, que somente sobre a Terra Indígena Yanomami existem mais de 550 pedidos de lavra e exploração mineral que, se aprovados, poderão significar a extinção do Povo Yanomami. Diante dos riscos que representa para a integridade das terras indígenas em geral, além da Terra Indígena Yanomami, diversas outras etnias estão apreensivas com a possibilidade de a Comissão Especial agilizar a aprovação da regulamentação da exploração mineral em suas áreas, quando o Estatuto das Sociedades Indígenas, que seria o instrumento mais adequado para regulamentar essa matéria, está há anos parado no Congresso Nacional.

O temor manifestado na carta dos Yanomami do Paapiú está relacionado à tragédia que sofreram nas décadas de oitenta e noventa com a presença maciça de garimpeiros em suas terras. Em 1989, quando Romero Jucá foi nomeado governador de Roraima, o Senador Severo Gomes, então coordenador da Comissão Ação pela Cidadania, fez um relato ao jornal Folha de São Paulo, no qual afirmou que “nunca houve na história do infortúnio dos índios brasileiros um genocídio com as características que cercam o fim do povo Yanomami”.

Segundo o Senador, aquela dizimação dos Yanomami começou com o avanço dos garimpeiros em busca de ouro e cassiterita nas suas terras. No mesmo relato, Severo Gomes recordou que, por volta de 1987, os garimpeiros eram poucos. Mas, as autoridades, alertadas, nada fizeram para retirar os invasores, mesmo contrariando as leis e a Constituição. “Ao contrário, elas assistiram impassíveis ao afluxo de dezenas de milhares de garimpeiros, como se esse desastre fizesse parte de um secreto plano de governo. E ainda foram retiradas da área entidades religiosas ou civis, como a Comissão para a Criação do Parque Yanomami, que davam assistência médica aos índios para deixar o garimpo sem peias”.

Naquela ocasião, o Senador esteve em Paapiú e comparou o que testemunhou a “um cenário da Guerra do Vietnã”: “De cinco em cinco minutos um avião pousa e decola. Os helicópteros rondam sobre o pano de fundo da selva – trezentos gramas de ouro por hora de vôo. Dali sai uma riqueza de difícil mensuração, e que segue pelos descaminhos da fronteira, deixando atrás a morte da natureza e dos homens. (...) O barulho é infernal. Impossível conversar dentro da maloca. Depois do pôr do sol os aviões silenciam. Aí – disse um velho índio – temos um barulho muito pior: são as crianças que choram a noite inteira. De fome.” (“Paapiú – campo de extermínio”. Folha de São Paulo, 18.06.89).



Nem lei do Abate impede tráfego de aviões clandestinos de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami

Quinze anos depois da primeira operação de retirada de garimpeiros, a Terra Indígena Yanomami continua sendo alvo da ação inescrupulosa e nefasta dos mesmos invasores. Embora tenha havido uma redução significativa do número de garimpeiros desde os anos noventa, ainda assim, pequenos grupos, prontos para crescer ao sabor da inércia dos poderes públicos, ameaçam a integridade física dos Yanomami e de suas terras, ao reabrirem continuamente pistas e bases clandestinas para retomar suas atividade predatórias. Além de operações esporádicas de retirada que apenas reduzem a densidade de invasores, até o presente, nenhuma medida sistemática foi tomada para garantir a proteção efetiva da Terra Indígena Yanomami contra essas invasões (ver Boletim Pró-Yanomami 47).

Como a maioria dos garimpeiros chega à Terra Indígena Yanomami em vôos de monomotores, supõe-se que um controle rigoroso do tráfego aéreo poderia conter definitivamente os seus movimentos. No entanto, nem mesmo a Lei do Abate, editada em outubro de 2004, dispondo sobre o monitoramento do espaço aéreo das fronteiras brasileiras na região Amazônica, até hoje coibiu o fluxo de aviões rumo à terra indígena.

Segundo declarações do diretor-executivo do Centro Gestor do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), Edgar Fagundes, o Sipam faz o monitoramento do espaço aéreo e repassa as informações para a Polícia Federal, que deveria tomar as providências quando o avião estivesse no solo (Folha de Boa Vista, 26-27.02.05). Mas os aviões de garimpeiros continuam decolando sem plano de vôo e pousando em pistas clandestinas na área yanomami, sem qualquer controle, seja no solo, seja no ar. Das 60 pistas de pouso hoje existentes em Roraima, apenas cinco estão regularizadas.

A regulamentação e o controle dessas pistas dependem da Polícia federal e das autoridades militares, das quais se poderia esperar uma atuação mais efetiva para deter as atividades ilegais na região e evitar que se reproduza a situação trágica que os Yanomami conheceram nos anos oitenta e noventa.


Boletim Pró-Yanomami Nº 65 - Fechamento: 27/05/2005
Coordenação Editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert, Jô Cardoso de Oliveira
Redação: Luis Fernando Pereira

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