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CALHA NORTE

 
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CALHA NORTE E OS YANOMAMI

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Ministro defende revisão de reserva yanomami

Boa Vista - O ministro da Defesa, Geraldo Quintão, chamou de "um erro" a demarcação dos oito milhões de hectares da reserva indígena ianomami, em Roraima, e sugeriu que essa decisão do ex-presidente Fernando Collor poderia ser revista. "É uma questão muito delicada, aqui e no exterior, mas que precisa ser discutida pela sociedade", argumentou.

Quintão não vê, no entanto, possibilidade de o erro ser reparado de imediato. "Pode ser que amanhã algum presidente da República queira consertar isso mas, por enquanto, está cedo ainda", disse. Quintão admitiu já ter discutido o assunto com o presidente Fernando Henrique Cardoso mas não quis revelar a posição dele sobre o "polêmico tema".

As afirmações do ministro foram feitas em Uiramutã (RR), onde o Exército tenta construir um quartel, embargado por causa de uma liminar na Justiça obtida pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR). Quintão defendeu a instalação do pelotão de fronteira e disse que o principal objetivo da organização é formar uma área contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol para ser classificado no futuro como um território internacional.

Não se pode permitir, em hipótese alguma, que se queira chamar uma tribo indígena de nação indígena. É uma violência contra a integridade de nosso território, que não podemos aceitar", disse Quintão, condenando a demarcação de reservas contínuas. "As terras continuam pertencendo à União, que tem o total domínio sobre elas," acrescentou o ministro, criticando a área ianomami, demarcada de forma contínua: "Um péssimo exemplo."

Na opinião do ministro, a decisão do ex-presidente Fernando Collor de Mello de criar uma extensa reserva indígena em Roraima, que ocupa hoje 43% do Estado, foi adotada "por incompetência ou por necessidade de um Presidente da República de aparecer bem lá fora porque estava caindo aqui dentro". Para ele, áreas contínuas têm de ser demarcadas quando há razões objetivas para isso e não simplesmente por razões antropológicas ou históricas, citando parecer da Advocacia Geral da União (AGU) e o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal, José Neri da Silveira, condenando as faixas contínuas.

Fonte: Agência Estado / 21 de Março de 2001


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Exército terá unidades em reservas indígenas

BRASÍLIA. O Exército é contra a demarcação de vastas reservas indígenas nas regiões de fronteira da Amazônia por temer que, no futuro, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheça essas áreas como nações indígenas, dando início ao temido processo de internacionalização da Amazônia. Por isso, os militares decidiram insistir, mesmo enfrentando a objeção de organizações indigenistas, na criação do pelotão de Uiramutã num vilarejo localizado no centro da reserva indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima, perto da fronteira com a Guiana.

O Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex) diz que o ideal seria que não fossem demarcadas grandes áreas contínuas, para dificultar qualquer reconhecimento de nações indígenas. Os militares também não abrem mão de manter oito pelotões em reservas indígenas ao longo da fronteira Norte, alguns em áreas contíguas às malocas.

"Compete ao Exército Brasileiro impedir que qualquer trecho do território brasileiro seja internacionalizado", afirmou o Cecomsex em texto respondendo a perguntas do jornal sobre a questão.

As obras para a instalação de um pelotão do Exército em Uiramutã chegaram a ser embargadas por ordem judicial, a pedido de grupos indígenas da Amazônia. Mas o governo recorreu, no momento em que os militares de outro pelotão, o de surucucus, eram acusados de atrair índias ianomâmis de uma aldeia vizinha ao quartel com bolachas para depois submetê-las a abusos sexuais.

"O Exército brasileiro não vê razão para que haja continuidade territorial na demarcação dessas terras, uma vez que as comunidades indígenas constituem núcleos populacionais já estabelecidos e perfeitamente fixados", diz o texto do chefe do Cecomsex, general Luiz Cesário da Silveira Filho.

Os germes desse movimento pró-indepedência seriam a atuação de determinadas organizações não-governamentais (ONGs) estrangeiras na região e as crescentes reivindicações por autonomia de líderes indígenas. Na base desta frente estariam governos que vêem a Amazônia como um santuário ecológico mundial, sem necessidade de desenvolvimento econômico e social.

"Vale acrescentar que a vigilância de nossas fronteiras na Amazônia, realizada por organizações militares do Exército, independente de sua presença ou não em área indígena, é fundamental para a manutenção da integridade do território brasileiro", diz o texto.

As Forças Armadas sequer cogitam da possibilidade de a Justiça embargar, em caráter definito, a instalação do pelotão em Uiramutã. Com a presença da unidade militar no vilarejo de pouco mais de 200 pessoas, o Estado estaria livre das acusações de abandono dos povos indígenas ou negligência com as regiões remotas.

O ministro da Defesa, Geraldo Quintão, fará uma visita a partir de amanhã a Uiramutã e aos outros oito pelotões da fronteira. A reserva Raposa Serra do Sol tem 1,6 milhão de hectares. Nela vivem 12 mil índios macuxis, uapixanas, tuarepangs e ingaricós. Embora esteja demarcada, a reserva ainda não foi homologada.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) criticou a decisão do Exército de instalar o pelotão em Uiramutã.

- Não reconhecer as terras contínuas e permitir a ocupação por não índios de outras áreas é afronta à Constituição. Nosso maior medo é a internacionalização econômica da Amazônia, que já está em curso - disse o secretário-executivo do Cimi, Egon Heck.

Fonte: Jornal O Globo / 18 de Março de 2001


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O MINISTRO E A TERRA YANOMAMI
.Jarbas Passarinho

Li, no Estado, que em Roraima, no dia 21 do corrente mês, o ministro da Defesa, dr. Geraldo Quintão, disse sucessivamente ter sido a demarcação da terra indígena ianomâmi "um erro", "péssimo exemplo" e que a "decisão de Collor foi adotada por incompetência ou por necessidade de um presidente da República de aparecer bem lá fora, porque estava caindo aqui dentro". Ministro da Justiça, autor da Portaria 580, de 15 de novembro de 1991, julgo de meu dever defender-me, e ao governo de então, da acusação de incompetência e de dar péssimo exemplo ao meu país. Comecemos pelo problema jurídico. Advogado, o ministro bem sabe que a Constituição incumbiu o Ministério Público também da defesa dos interesses sociais indisponíveis.

Exercendo essas atribuições, os procuradores da República Eugênio Aragão e Débora Pereira entraram com medida cautelar, ainda em outubro de 1989, perante o juiz da 7ª Vara Federal, em Brasília. Pediam a interdição dos 9 milhões de hectares, estabelecidos no governo João Figueiredo, e reduzidos a 2,5 milhões pelo seu insigne e honrado sucessor.

O juiz deferiu a cautelar, o governo não convenceu na contestação e o magistrado concedeu a liminar determinando a interdição da área e a imediata retirada dos garimpeiros dela. A Funai pediu o cumprimento da decisão judicial. Eu assumira o ministério três dias antes. Interditei a área, enquanto estudava a matéria. Um mês depois, os mesmos procuradores entraram com ação para que a área fosse declarada - como o foi pelo mesmo juiz - posse ianomâmi. Verificando a inexistência de regras legais para demarcar terras indígenas, obtive do presidente Collor a edição do Decreto nº 22, de 4 de fevereiro de 1991. Acionei a Consultoria Jurídica e a Secretaria Nacional de Direitos da Cidadania, ambas do ministério.

A Funai constituiu um grupo técnico encarregado de dar parecer. Fê-lo em 22 de julho de 1991, opinando pela demarcação da área de 9 milhões de hectares em linha contínua. Como não haviam sido ouvidos órgãos públicos recomendados pelo Decreto nº 22, dirigi-me aos governadores de Roraima e do Amazonas e pedi o parecer dos Ministérios das Relações Exteriores e da Infra-Estrutura e das Secretarias de Meio Ambiente e de Assuntos Estratégicos. Os ministros militares decidiram atribuir ao ministro-chefe do Gabinete Militar o parecer solicitado. Os governadores foram contrários. O Itamaraty, cujo chanceler era um magistrado, foi favorável. Acompanhou-o a Secretaria de Meio Ambiente.

A de Assuntos Estratégicos ponderou quanto ao perigo de afetar a soberania nacional. O Gabinete Militar, em nome também do EMFA e dos Ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, opinou pela remessa do processo ao Conselho de Defesa. Entrementes, o meu consultor jurídico e o secretário-executivo consideraram inexistente qualquer ameaça à soberania e à segurança nacionais, respaldados em eminentes juristas. Estando a terra ianomâmi na faixa de fronteira, garantida ficava duplamente a propriedade da União.

Cabia-lhe exercer soberania sobre os índios e garantir a integridade territorial com as Forças Armadas. Ouvir previamente o Conselho de Defesa, como propôs o Gabinete Militar, revelava-se indevido diante da sua atribuição definida no artigo 91, @ 1º e inciso III, da Constituição federal: "Propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso.

" Não se tratava de uso ou utilização da terra, mas de sua demarcação. Impunha-se analisar o direito à posse segundo o artigo 231 da Constituição: "Terras tradicional e permanentemente ocupadas." Geneticistas, lingüistas e antropólogos atestam a existência milenar e permanente dos ianomâmis na área, embora as primeiras referências historiográficas datem do século 18. Restava traçar a área compatível com "a atividade produtiva, a reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições". Antropólogos conceituados, autores de livros e que estudaram anos a fio os ianomâmis in loco, defenderam a demarcação contínua. Isolar as aldeias seria tornar inviável a sua interação.

Uma das últimas populações - e nunca nação! - primitivas existentes. Os espaços que parecem vazios, nos mapas, são "trilhas que ligam as várias aldeias, nervos e veias do espaço social, áreas de perambulação, essenciais às cerimônias fúnebres e matrimoniais e à reprodução sociocultural, acampamentos de caça e de viagem, antigos roçados". A separação, por "ilhas", impediria as "relações intertribais", pertinentes aos seus usos e costumes. Quem não acredita na antropologia cultural pensa que se poderia seguir o critério de colonização a tantos hectares por pessoa.

Ministro da Justiça, deveria eu ser cumpridor exemplar da Constituição que ajudara a escrever. Depois de 13 meses de estudos por vezes estafantes, aprovei a tese da linha contínua. Ressalvei em despacho a imperativa necessidade de ser ouvido o Conselho de Defesa, quando da utilização posterior da terra. E na Portaria 580 está assegurada a ação e atuação das autoridades federais na área, um bem da União. Teria sido um erro e péssimo exemplo? De que participaram cientistas, juristas e técnicos incompetentes? Como explicar, então, que o Supremo Tribunal Federal venha julgando improcedentes todas as ações de inconstitucionalidade impetradas contra a demarcação contínua? E que o Senado não haja aprovado projetos a ela contrários? Não me surpreende a leviandade de políticos de Roraima ao dizerem que não observamos "nenhum critério na demarcação feita só olhando o mapa".

É que os políticos sabem que os índios não votam, mas os garimpeiros elegem... Ameaça à Amazônia, se vier a existir, não é de uma nação ianomâmi, mas do pretexto de devastação da floresta. Não desprezo o papel de certas ONGs. Mas penso no marechal Castelo Branco quando profligou a "estratégia do medo". Na Câmara dos Deputados, em audiência pública em junho de 1999, o general Schroeder Lessa, então comandante militar da Amazônia, afirmou aos deputados que a demarcação não inibe nenhuma ação do Exército. Claro, a terra é bem da União, sua propriedade (artigo 20 da Constituição), e não dos índios, simples posseiros. Quanto ao presidente Collor, manda a verdade que se diga que em nenhum momento fez sequer uma sugestão a respeito da demarcação.

Homologou a Portaria 580, em 15/11/1991, em reunião setorial do Ministério, presentes todos os ministros militares, sem discrepância expressada. Ainda assim, há quem o acuse de ter cumprido ordens do então presidente americano George Bush... Jarbas Passarinho, presidente da Fundação Milton Campos, foi senador (PPB-PA) e ministro de Estado.

Fonte: O Estado de São Paulo



Carta aberta do
conselho indígena de Roraima (CIR)
repudia as declarações do Ministro da Defesa

Boa Vista-RR, 22 de março de 2001

Ao Exmo. Sr.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Presidente da República


Excelentíssimo Presidente,


O CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA-CIR,  organização indígena voltada para a defesa dos direitos e interesses dos Povos Indígenas de Roraima, Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang, Wapixana , Wai Wai e Yanomami, vem manifestar-se  acerca da matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo de 22 de março de 2001, intitulada  Quintão condena demarcação de área ianomami , e das afirmações feitas a impressa de Boa Vista-RR, em sua visita nos dias 20 a 22 do corrente onde há afirmações gravíssima feita pelo Exmo. Sr. Ministro da Defesa, Geraldo Quinhão, colaborador direto no governo de Vossa Excelência.

Na matéria supramencionda,  "o ministro da Defesa, Geraldo Quintão, classificou como um erro a demarcação dos 8 milhões de hectares da reserva indígena ianomami, em Roraima e sugeriu que a decisão do ex-presidente Fernando Collor seja revista" e afirmou Pode ser que amanhã algum Presidente da República queira consertar isso, mas por enquanto, está cedo ainda  e ainda declarou já ter discutido o assunto com o presidente Fernando Henrique Cardoso .  Tais declarações, demonstra uma posição meramente ideológica, sem respaldo legal ou político, gerando um posicionamento negativo frente aos direitos indígenas assegurados e ainda reinvidicados   sua consolidação. Redução de terras indígenas é inconstitucional e inceitável.

Em visita a Aldeia Uiramutã, Terra Indígena Raposa Serra do Sol-RR,  questionado das alegações das comunidades indígenas litigantes  para a não construção do 6º PEF, o Ministro afirmou:  É natural que relacionamentos aconteçam. É um direito das índias procurarem se relacionar com os soldados, para se juntarem, casarem , complentou ao acrescentar que bloquear essa relação  é querer impedir o fruto da natureza humana [Jornal Folha de Boa Vista em 21/03/2001]. È inadmíssivel a aceitação desses delitos como fatos naturais, configuram-se  sim violação de direitos humanos que deverão ser apurados e os responsáveis punidos.



_______ Ler na Íntegra ________

 



Press Release da CCPY - para ampla divulgação

A Comissão Pró-Yanomami (CCPY) expressa sua profunda apreensão e perplexidade ante as declarações do Ministro da Defesa, Geraldo Quintão, que classificou como "um erro" a demarcação da Terra Indígena Yanomami e que a mesma deve ser revista. Como organização que há 23 anos se dedica à defesa dos direitos territoriais e humanos dos Yanomami vê-se na constrangedora posição de fornecer ao Excelentíssimo Ministro certas informações importantes que já são de domínio público, mas que, por estranho que pareça, o Ministro aparentemente desconhece. Em primeiro lugar, a demarcação da Terra Indígena Yanomami é o produto, não de um erro cometido por um ato isolado e inconseqüente, mas de um meticuloso processo de estudos e negociações que durou mais de 13 anos. Em segundo lugar, representou um esforço conjunto do Estado brasileiro, através do Congresso Nacional, da Fundação Nacional do Índio, do Ministério Público, entre outros, e de profissionais altamente qualificados, membros da sociedade civil. Em terceiro lugar, a demarcação da Terra Indígena Yanomami tem tido o reconhecimento pleno de figuras públicas de reputação irretocável, como o ex-Senador, ex-Ministro da Justiça e Coronel da Reserva, Jarbas Passarinho e do falecido ex-Senador Severo Gomes e do Estado brasileiro em sua atual administração. Comprovam esse reconhecimento diversas manifestações positivas, dentre as quais, a concessão do Prêmio de Direitos Humanos à Comissão Pró-Yanomami (CCPY) outorgado em 1997 pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso e, dois anos mais tarde, a condecoração de Davi Kopenawa Yanomami com a Comenda da Ordem do Rio Branco pelo Ministério das Relações Exteriores. Portanto, insinuar, como faz o Ministro Quintão, que a demarcação da Terra Indígena Yanomami foi produto de "um erro" é questionar a legitimidade dos poderes constituídos e, portanto, demonstrar uma lamentável falta de afinação com o governo, com a realidade multiétnica do país, com a sociedade nacional e com a comunidade internacional.

Comissão Pró-Yanomami

A Presidência


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Agradecimento de Alcida Ramos ao Ministro Jarbas Passarinho

Prezadíssimo Senhor Jarbas Passarinho:

Cumprimento-o por sua incisiva resposta às provocações do Ministro Quintão e, em nome da Comissão Pró-Yanomami, da qual sou a atual presidente, quero agradecer o seu inestimável apoio que, mais uma vez, tanto significa para a defesa dos direitos territoriais dos Yanomami. Esta é uma luta que parece não ter fim e que nos mantém em perene estado de alerta.

Contar com a sua ativa solidariedade é sempre animador e esperamos continuar a tê-la quando for necessário. Oportunamente, enviaremos para o seu endereço eletrônico o nosso próximo boletim contendo, entre outras, matérias relativas a esse infeliz episódio.

Mais uma vez, tenho muito prazer em manifestar meus agradecimentos e a grande admiração que lhe devoto.

Atenciosamente,

Alcida Rita Ramos
Presidente da Comissão Pró-Yanomami
Professora Titular da UnB

Brasília, 27 de Março de 2001


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Declarações do Ministro Geraldo Quintão e do Governador Neudo Campos sobre a Terra Yanomami são refutadas.

O ex-Senador, ex-Ministro da Justiça, atual presidente da Fundação Milton Campos e articulista do jornal O Estado de S. Paulo, Jarbas Passarinho, manifestou-se publicamente sobre as declarações do Ministro da Defesa, General Geraldo Quintão, por ocasião da recente visita desse General a Roraima, de que a demarcação da Terra Yanomami teria sido "um erro". Passarinho, em artigo publicado no mesmo O Estado de S.Paulo no dia 27 de março, defendeu enfaticamente a manutenção da Terra Indígena Yanomami. Com riqueza de detalhes, o ex-Ministro da Justiça relembrou o longo processo que envolveu os três poderes da República e que resultou na demarcação e homologação da Terra Yanomami. A participação decisiva do ex-Ministro da Justiça fica evidente em sua matéria: "Acionei a Consultoria Jurídica e a Secretaria Nacional de Direitos da Cidadania, ambas do ministério. A Funai constituiu um grupo técnico encarregado de dar parecer. Fê-lo em 22 de julho de 1991 opinando pela demarcação da área de 9 milhões de hectares em linha contínua". Prossegue o ex-Ministro: "Os ministros militares decidiram atribuir ao ministro-chefe do Gabinete Militar o parecer solicitado (...). O Itamarati, cujo chanceler era um magistrado, foi favorável (...). O gabinete Militar, em nome também do EMFA e dos Ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, opinou pela remessa do processo ao Conselho de Defesa. Entrementes, o meu consultor jurídico e o secretário-executivo consideraram inexistente qualquer ameaça à soberania e à segurança nacionais, respaldados em eminentes juristas." Passarinho evoca a Constituição Federal como princípio norteador de suas decisões: "Ministro da Justiça, deveria eu ser cumpridor exemplar da Constituição que ajudara a escrever. Depois de 13 meses de estudos por vezes estafantes, aprovei a tese da linha contínua". O ex-Ministro enfatiza ainda o seu cuidado em integrar o Conselho de Defesa nesse processo demarcatório: "Ressalvei no despacho a imperativa necessidade de ser ouvido o Conselho de Defesa, quando da utilização posterior da terra. E na Portaria 580 está assegurada a ação e atuação das autoridades federais na área, um bem da União". O Procurador da República no Distrito Federal, Dr. Aurélio Veiga Rios, sócio da Comissão Pró-Yanomami e defensor de longa data dos direitos Yanomami, lembra também que "o então Ministro das Relações Exteriores, justamente mencionado no artigo do ex-Ministro Passarinho, como apoiador da demarcação da área contínua Yanomami, era ninguém menos que JOSÉ FRANCISCO REZEK, ex-Ministro do Supremo Tribunal e hoje Juiz da Corte Internacional de Justiça em Haia-Holanda, sendo considerado uma das maiores autoridades do Planeta em Direito Internacional Público" (mensagem eletrônica aos sócios da Comissão Pró-Yanomami de 27 de março de 2001). A íntegra do artigo do ex-Ministro Jarbas Passarinho pode ser encontrada no home page do Estado de S. Paulo: www.estado.com.br Transcrevemos a seguir a matéria assinada pela presidente da Comissão Pró-Yanomami sobre as declarações do Ministro Geraldo Quintão e do Governador de Roraima, Neudo Campos.


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Transcrevemos a seguir a matéria assinada pela presidente da Comissão Pró-Yanomami sobre as declarações do Ministro Geraldo Quintão e do Governador de Roraima, Neudo Campos.

POR QUE NÃO DEIXAM OS YANOMAMI EM PAZ ?

Alcida Rita Ramos__________________________________

Notícias veiculadas na grande imprensa brasileira, incluindo a Folha de S. Paulo, na última semana, trazem de volta o fantasma que há quase dez anos ronda a Terra Indígena Yanomami. Mais uma vez, setores do Exército nacional e governantes do Estado de Roraima manifestam sua vontade de regredir no tempo e acabar com a proteção ao mais básico dos direitos dos Yanomami, ou seja, o direito ao usufruto exclusivo de seu território, como reza a Constituição Federal. Mais uma vez, vemo-nos obrigados a vir a público esclarecer a todos e, em particular, a esses senhores, o que representa essa Terra Indígena para os Yanomami e como sua demarcação e homologação têm sido acatadas com irrestrito apoio pelas autoridades máximas do país. O governador de Roraima, Neudo Campos (PPB), foi citado nos jornais declarando, desinformadamente, que não teria havido critério para a demarcação da Terra Indígena Yanomami: "Eles olharam o mapa e traçaram". Essa declaração foi motivada pela visita a Roraima do Ministro da Defesa, Geraldo Quintão, a propósito de acusações vindas de diversas fontes de que membros dos batalhões do Exército instalados na área de fronteira estariam seduzindo e engravidando mulheres (algumas menores de idade) de várias etnias. Aproveitando a ocasião, e extemporaneamente, o Ministro Quintão alimentou a desinformação do governador ao classificar como "um erro" a decisão do governo federal de demarcar a área em 1991. Esta não é a primeira (embora esperemos que seja a última) investida contra a Terra Indígena Yanomami. Em 1996, por exemplo, a Câmara de Deputados apreciou o projeto de decreto legislativo 365, de 1993, de autoria do deputado Jair Bolsonaro, propondo a revogação do "Parque" Indígena Yanomami. A argumentação cuidadosa e bem fundamentada do relator, Deputado Fernando Gabeira, derrubou o projeto. Que saiba o Excelentíssimo Senhor Governador Campos que a demarcação da área Yanomami foi o resultado de detalhadas pesquisas de geógrafos, antropólogos e juristas que durante mais de uma década acumularam dados históricos, etnográficos, ecológicos e outros relevantes para chegaram com alto grau de precisão à área que foi finalmente demarcada, homologada e registrada em 1991. Longe de ter sido um ato irrefletido e leviano de alguém que, aleatoriamente, traça um risco no mapa, esse foi um trabalho meticuloso e prolongado de profissionais altamente qualificados. Como dever de casa, talvez o Governador pudesse tirar um tempinho de sua atarefada vida pública para examinar o processo dessa demarcação e evitar futuras gafes na frente de jornalistas. O Ministro Quintão teria acrescentado que essa demarcação deveria ser revista e discutida pela sociedade. O que parece que o Excelentíssimo Ministro não sabe é que a Terra Indígena Yanomami é o produto de discussões e negociações que se estenderam por mais de 13 anos entre setores do governo e da sociedade civil, que todo o processo representou um esforço conjunto do Congresso Nacional, da Fundação Nacional do Índio, do Ministério Público e do próprio Ministério da Justiça com organizações não governamentais, professores universitários, membros da Igreja e personalidades de projeção nacional e internacional. Citemos apenas dois exemplos. O falecido ex-Senador Severo Gomes foi um dos mais dedicados defensores dos direitos dos Yanomami à terra que ocupam e que corresponde à área demarcada. Também o ex-Senador, ex-Ministro da Justiça e Coronel da Reserva do Exército, Jarbas Passarinho não apenas apoiou plenamente a demarcação, mas tem feito vários pronunciamentos públicos em favor da manutenção da Terra Indígena Yanomami. Sua última e brilhante defesa dos direitos territoriais Yanomami foi publicada no Estado de S. Paulo no dia 27 de março, justamente em resposta às apressadas declarações de Campos e Quintão. Não deixa de ser uma afronta aos poderes constituídos chamar de "erro" algo que tem merecido repetidas manifestações de louvor. Senão, vejamos: Em 1997, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, outorgou à Comissão Pró-Yanomami (CCPY), a ONG que desde 1978 lutou pela criação da Terra Indígena Yanomami, o Prêmio de Direitos Humanos. Em 1999, o Ministério das Relações Exteriores, sempre tão zeloso da imagem e integridade do Brasil, condecorou o líder Yanomami Davi Kopenawa com a Comenda da Ordem do Rio Branco. Essas demonstrações de aprovação do Estado brasileiro, representado por ninguém menos que seu próprio presidente e altos escalões diplomáticos, reduzem a um infeliz lapso de impertinência as opiniões apressadas de Campos e Quintão. Declarar publicamente que a demarcação oficial da Terra Indígena Yanomami foi "um erro" é questionar a legitimidade das autoridades máximas do país e, ao mesmo tempo, expôr uma lamentável falta de afinação com o governo, com a sociedade nacional, com a comunidade internacional e, não menos importante, com o compromisso do Brasil para com suas minorias étnicas.


Para informações adicionais favor enviar e-mail para o escritório central da CCPY no seguinte endereço:

ccpydf@uol.com.br


Jornalista Responsável
Vanessa Brito (4408.19.14-DRT-MG)


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