Yanomami,
Ye´kuana e representantes de organizações
de atendimento às populações indígenas
denunciam a situação caótica do sistema de
saúde mantido pela Fundação Nacional de Saúde
(Funasa), numa série sem precedentes de cinco documentos
elaborados somente no mês de novembro. O Conselho Distrital
do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami,
os conselheiros Ye´kuana da região de Auaris, representantes
do Instituto Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário
(IBDS), do Serviço pela Cooperação com o
Povo Yanomami (Secoya) e do Sindicato dos Profissionais da Área
Yanomami enviaram documentos ao Ministério Público
Federal, Ministério da Saúde e à própria
Funasa detalhando os problemas.
Trata-se de descrições longas e detalhadas das dificuldades
enfrentadas pelas populações atendidas, tais como
o rápido e assustador crescimento do número de casos
de malária (ver próxima nota), diarréia e
tuberculose (ver Boletins Pró-Yanomami
60,
67,
68
e 71),
interrupção de tratamentos e alastramento de doenças
sexualmente transmissíveis, abandono de postos e escassez
de funcionários, além da total precariedade na manutenção
dos convênios, expressa na falta de medicamentos e materiais
básicos de consumo, deterioração avançada
de equipamentos e postos em área, insegurança e
irregularidade nos transportes fluvial e aéreo e a incapacidade
das Casas do Índio em prestar assistência de qualidade
aos internos (ver anexo documentos 1,
2,
3
e 4).
Outro problema apontado é a permanência de garimpeiros
em regiões como Arathau e Parafuri, a despeito dos inúmeros
apelos dos Yanomami e profissionais de saúde aos órgãos
públicos competentes para solucionar esse problema crônico.
Documento mais recente e que resume os sentimentos dos Yanomami
e das instituições que lhes prestam assistência
foi elaborado na sexta-feira, dia 25 de novembro, em Boa Vista,
Roraima, e enviado Ministério da Saúde (veja abaixo),
no qual se reivindica imediata correção de falhas
consideradas graves na estrutura de atendimento na área
indígena mantida pela Fundação Nacional de
Saúde (Funasa). Participaram da elaboração
desse documento cerca de 60 Yanomami, entre os quais, conselheiros
distritais, agentes indígenas de saúde e professores,
além dos representantes de instituições conveniadas
à Funasa, como a Fundação Universidade de
Brasília (Fubra), Serviço de Cooperação
do Povo Yanomami (Secoya), Diocese de Roraima e Instituto Brasileiro
de Direito à Saúde (IBDS).
A decisão pela redação de uma carta que relata
os principais problemas relacionados à saúde se
deu após tentativas infrutíferas dos Yanomami de
obter respostas às suas demandas junto aos representantes
da Funasa, culminando na invasão da sede do órgão
na quarta-feira, dia 23 de novembro (ver
Comunicado Pró-Yanomami de 24.11.05). Os membros do
Conselho Distrital Indígena resolveram não retornar
às suas comunidades antes de obter uma resposta do Ministério
da Saúde.
De acordo com o vice-presidente do Conselho Distrital, Francisco
Xavier, da região do Maturacá, a intenção
era enviar a carta diretamente para o Ministério da Saúde,
sem a intermediação da Funasa, para relatar a precariedade
no atual sistema de saúde indígena: “Fizemos
o documento para divulgarmos nossos problemas, para mostrar nossos
problemas direto para os chefões de Brasília, já
que o pessoal da Funasa daqui não sabe escutar. Eles só
ficam dizendo que o problema não é na Funasa de
Roraima, só colocam o problema na Funasa de Brasília
e não fazem nada. Ninguém quer remeter para a Funasa,
daqui ou de Brasília, eles só ficam falando, na
quarta-feira sai uma decisão, na quinta-feira, ah, na sexta,
só semana que vem, e nunca sai.”.
Segundo Xavier, a falta de qualidade do atendimento, acentuada
pelo atraso no repasse de verbas da Funasa para as conveniadas,
agrava cada vez mais o quadro da saúde yanomami, novamente
ameaçada com o crescimento de doenças como malária
e tuberculose. Na quinta-feira, dia 24 de novembro, ele foi informado
por agentes indígenas de saúde de sua comunidade
o teriam informado do recente falecimento de uma criança
recém-nascida por problemas respiratórios, sem nenhum
tipo de atendimento. “Não estamos brincando. Por
que a gente chora? Se o atendimento fica assim, vocês acham
que ficaremos alegres? Vocês acham que ficamos alegres quando
morrem nossas crianças?”, questionou Francisco Xavier.
O documento faz um levantamento do que os Yanomami consideram
como os principais problemas de atendimento, como explica Xavier:
“Colocamos todos os problemas no documento, o que não
melhorou, o que melhorou, o que piorou, o que não deu andamento.
Estamos falando sobre os materiais que estão em falta ou
que a Funasa nunca repassou. A doença não espera
a Funasa, não espera muito tempo por material e dinheiro”.
Apresentamos a seguir a íntegra do documento
Distrito
Sanitário Indígena Yanomami e Ye´kuana
Conselho Distrital de Saúde criado pela portaria no 115
de 26 de abril de 2002
Reunião
extraordinária, Boa Vista (Roraima), 24 de novembro de
2005.
Para
o Excelentíssimo Ministro da Saúde, Sr. José
Saraiva Felipe
C/C Presidente da Funasa, Sr. Paulo Lustosa; diretor do Departamento
de Saúde Indígena, Sr. José Maria de França;
Ministério Público Federal; Fundação
Nacional do Índio.
Pela segunda vez em menos de dois meses o Conselho Distrital do
Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami
e Ye´kuana está reunido em caráter extraordinário
em Boa Vista, desde o dia 22 de novembro, para tratar da situação
caótica em que se encontra a assistência à
saúde a sua população, sem que até
o momento tenha merecido a devida atenção. As conveniadas,
sem recursos para pagar os salários e comprar o necessário
para manter o serviço de saúde funcionando, como
remédios e equipamentos, além de não disporem
de horas de vôo, estão fechando os postos de atendimento
nas aldeias e retirando seus profissionais, deixando os Yanomami
sem nenhuma assistência. Além disso, em Roraima,
garimpeiros invadem a terra indígena e expulsam os funcionários
da conveniada Fubra/Universidade de Brasília do posto Arathau,
privando os Yanomami de assistência, apesar do surto de
malária na região. O caso foi denunciado à
Funai, à Polícia Federal e ao Ministério
Público Federal de Roraima, sem que nenhuma providência
tenha sido tomada até então.
Desde 11 de novembro, a conveniada Instituto Brasileiro pelo
Desenvolvimento Sanitário (IBDS), apesar de ter sua prestação
de contas aprovada pela Coordenação Geral de Convênios
(CGCON) da Funasa, depois de esperar quatro meses pelo repasse
dos recursos, o que não ocorreu, foi obrigada a fechar
sete postos de atendimento, deixando desassistidos pelo menos
2 mil Yanomami, nas regiões dos rios Cauaburis e Maiá,
em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.
Já as conveniadas Fundação Universidade de
Brasília e Diocese de Roraima, por 20 dias se viram impossibilitadas
de enviar seus profissionais para as aldeias yanomami pois o serviço
de transporte aéreo estava suspenso, devido ao atraso de
três meses no pagamento. A dívida foi quitada mas
não existe nenhuma garantia de que a situação
não venha a se repetir nas próximas semanas.
O atraso ocorrido mais uma vez no repasse dos recursos do convênio
da Associação Serviço e Cooperação
com o Povo Yanomami (Secoya) está impossibilitando a realização
das ações básicas de saúde, deixando,
por sua vez, desassistida uma população de aproximadamente
2.800 Yanomami, distribuídos em 18 aldeias nos rios Marauiá,
Padauari, Demini e Aracá, no estado do Amazonas.
Diante dessa situação e da ausência de resposta
por parte de vossas excelências, o Conselho Distrital tomou
a decisão de manter-se reunido até que as seguintes
providências sejam tomadas pela Funasa/Ministério
da Saúde, com vista a superar a situação
deplorável em que se encontra o DSEI Yanomami e garantir
o direito à vida e à saúde dessa população:
1 – Repasse imediato dos recursos pactuados
para as conveniadas Instituto Brasileiro pelo Desenvolvimento
Sanitário – IBDS, Serviço e Cooperação
com o Povo Yanomami – Secoya, Fundação Universidade
de Brasília – Fubra e Diocese de Roraima;
2 – Solucionar de maneira definitiva o
impasse criado pela centralização da compra das
horas de vôo por parte da Funasa, que de forma recorrente
vem paralisando a assistência;
3 – Aditivar os convênios permitindo
a aquisição de insumos, medicamentos e equipamentos
que permitiam realizar a assistência de maneira adequada,
o que, de uma forma geral, não vem ocorrendo agora;
4 – Que o Governo Federal tome imediatamente
as medidas cabíveis para realizar a desintrusão
da Terra Indígena Yanomami, cuja invasão por parte
dos garimpeiros e outros vem colocando em risco a vida dos Yanomami
e a dos profissionais que lá trabalham, além de
inviabilizar a assistência em algumas regiões.
Segue em anexo documentos e notícias que trazem informações
complementares acerca da situação que apresentamos.
Assinam:
Francisco Xavier da Silva Figueiredo, vice-presidente do Conselho
Distrital.
Mateus Ricardo da Silva Sanöma, conselheiro e primeiro secretário
da Hutukara Associação Yanomami.
Raimundo Watoriki theri, conselheiro.
Taimin Koriyauopë theri, conselheiro.
Castro Costa da Silva Ye´kuana, conselheiro.
Peri Xirixana, conselheiro.
Alexandre Hawarihixapopë theri, conselheiro.
Bruce Raxasi theri, conselheiro.
Augusto Xiriana, conselheiro.
Fanor Xirixana, conselheiro.
Batista Pohoroapihiwei teri, conselheiro.
Marcos Antônio Pellegrini, conselheiro.
Carlo Zacquini, conselheiro.
Silvio Cavuscens, conselheiro.
Cleyton da Silva Carvalho, conselheiro.
Ednelson Souza Pereira, conselheiro.
José Rondinelle da Encarnação Rodrigues,
conselheiro.
Kelly Maria Queiroz Martins, conselheira. >
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Malária
teve crescimento recorde entre os Yanomami em 2005
Chega
a 1006 o número de casos de malária entre os Yanomami
durante os primeiros nove meses de 2005 (janeiro a setembro),
segundo estratificação epidemiológica da
malária no Distrito Sanitário Yanomami feita pela
Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
A população que mais sofreu com a incidência
da malária foi a do rio Marauiá, afluente do rio
Negro, com 382 casos entre seus 1393 habitantes. O presidente
do Secoya, organização responsável pelo atendimento
na região, João Silvério Dias, atribuiu a
causa desses números aos atrasos constantes no repasse
de verbas da Funasa, afetando o atendimento, e à política
centralizadora de compras da Fundação, impedindo
a aquisição emergencial de remédios (ver
Boletim 68). Em seguida, está a região
do Mucajaí, compreendendo os pólos do Apiaú,
Baixo e Auto Mucajaí, Paapiu Novo e Maloca Paapiu, com
918 pessoas, onde foram registrados 143 casos.
Nas comunidades dos pólos do Demini, Toototobi, Balawaú
e Novo Demini, com população total de 1236 pessoas,
constam 128 casos. A população da região
do Aracá, composta por 341 pessoas, após quatro
anos sem uma única notificação de malária,
viu explodirem 48 casos durante o período. Nestas duas
regiões, a malária pode ter tido origem em povoamentos
e sítios próximos aos limites da Terra Indígena
Yanomami, resultantes da expansão da frente rural do município
de Barcelos, Amazonas (ver
Boletim 71).
Entre os
992 habitantes da região do Uraricoera surgiram 104 casos;
no Catrimani, com 898 pessoas, foram registrados 94 casos e no
Padauari, com população de 1252 pessoas, 83 casos.
Entretanto, não há dados sobre comunidades de regiões
endêmicas como o Parafuri e Arathau, com população
de 741 pessoas, onde a presença dos garimpeiros é
fator agravante para o alastramento de doenças. (ver
documento 4 anexo). >
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